Na verdade, quem foi Jim Crow?
Existem muitas histórias que são famosas nos respectivos países de origem mas quase desconhecidas em outros, e o caso de Jim Crow parece ser uma delas. E, de facto, quando assistimos a uma participação numa conferência por parte de um professor americano, há algumas semanas, ele estranhou que os Europeus desconhecessem o significado das chamadas "Jim Crow laws", como se o conceito fosse imprescindível e conhecido por todo o mundo, numa espécie de egocentrismo muito comum na cultura americana. Portanto, para quem não for americano, quem foi esta figura?
Não conseguimos descobrir se um verdadeiro Jim Crow já existiu, uma personagem completamente real por detrás de toda a ideia, mas fomos lendo duas teorias, segundo as quais a figura ou se baseou na performance de um escravo deficiente encontrado por Thomas D. Rice durante as suas viagens do início do século XIX, ou foi composta por esse criador de uma forma satírica, gozando com um conjunto de características que nessa altura eram associadas aos escravos americanos, e que foram incorporadas numa canção mutável ao longo desse mesmo século.
Agora, por definição uma "canção mutável" é difícil de reproduzir aqui, mas as suas diversas versões parecem ter alguns elementos em comum. Primeiro, a canção e dança eram interpretadas, tradicionalmente, por um branco em blackface, ou seja, com a cara pintada de negro, como pode ser visto no vídeo acima. Segundo, estas canções, apesar da divergência de versos, eram frequentemente críticas da população negra. E, em terceiro lugar, tinham sempre em comum um mesmo refrão, que também pode ser ouvido no vídeo:
Weel about and turn about and do jis so,
Eb'ry time I weel about I jump Jim Crow.
Essa constância de refrão parece ser característica da época - recorde-se o caso da canção sobre Maria Cachucha, também ela com versos distintos mas um refrão sempre comum. E se assim se explica a fama do nome, porquê este (?), e porque veio ele a dar a designação a leis segregacionistas aparecidas posteriormente? Mais uma vez, essa informação parece estar envolvida em alguma neblina histórica, mas poderá ter nascido de uma prática local de chamar crow - "corvo" - aos escravos negros, e mais tarde da grande popularidade da própria canção, que representava - como já foi dito - os escravos negros de uma forma significativamente pejorativa.
Assim se tenta explicar a origem das chamadas "leis de Jim Crow", e da personagem cultural que lhes deu o nome, mas... será que, hoje, é legítimo o uso da chamada blackface? Para escrever estas linhas tivemos de ver dezenas de vídeos do Youtube, e um elemento curioso é que nas reconstruções da dança feitas nos nossos dias de hoje se evita sempre essa característica, agora considerada racista... quando, em alternativa, se deveria era pensar que ela era, culturalmente, uma parte significativa da representação original, que não deve ser julgada pelos padrões actuais. Não dizemos que seja correcto, mas sim que se a canção original tinha essa característica essencial, não é completamente justo representá-la hoje sem ela, a bem da precisão histórica - caso contrário, seria como tentar representar Luís de Camões em filme sem a sua famosa pala, o que nos pareceria muito estranho...