O dia em que o Diabo fez uma bondade
A história de hoje, sobre o dia em que o Diabo fez uma bondade, vem-nos de terras do México. Destoa no contexto ocidental pelo facto de apresentar o opositor de Deus como capaz de fazer algo de bom, que - tanto quanto nos conseguimos relembrar, após várias horas de debate - quase nunca acontece na nossa cultura, mas até tem lugar em diversas lendas mexicanas. Portanto, decidimos que devíamos contar por cá uma em que isso acontece.
Diz-nos então esta história que um homem muito mau e muito ladrão roubou muitas coisas com a sua quadrilha. Depois, um dia, enquanto dividiam o saque, calhou-lhe a posse de um quadro com uma horrenda imagem do Diabo. O homem não queria isso para nada, mas visto que lhe foi dado por um superior nas artes do roubo, teve de o aceitar. Assim, levou o quadro para casa mas escondeu-o atrás de uma porta, para que nunca ninguém o pudesse ver. E o quadro aí ficou, até que a esposa deste homem se apercebeu da sua presença; vendo-o tão sujo e esquecido, ela foi limpando-o dia após dia, mês após mês, ano após ano.
Até que um dia esta mulher adoeceu, e em seguida foi ficando cada vez pior do seu estado de saúde. Na cama que ocupou durante muito tempo, tornou-se-lhe impossível fazer seja o que for. Vendo-a assim, o Diabo, compadecido com a simpatia que esta lhe tinha mostrado tantas vezes ao longo dos anos, foi por ele mesmo chamar um padre e pedir-lhe que este desse a extrema unção à (agora) idosa. Ele fê-lo de bom agrado, apesar do caricato de toda a situação, e a idosa foi para o Céu.
Esta história do dia em que o Diabo fez uma bondade é muito rara na nossa cultura, mas - e como já foi dito acima - apresenta-nos uma figura muito menos diabólica que a europeia. Em muitas lendas que ouvimos no México, o Diabo é uma figura bastante teatral, que sai quase sempre enganado pelos santos e até por homens comuns. Não é a mesma figura que tendemos a ver na nossa Bíblia, mas sim uma espécie de anti-herói que lhe tomou o nome, pelo que só assim se pode explicar o seu carácter tão invulgar na pequena história que aqui recontamos. Se Satanás (ou o nome que quisermos dar ao opositor de Deus), não tem de ser obrigatoriamente mau - basta ter-se em conta o Paraíso Perdido de Milton - é verdadeiramente curioso que na cultura mexicana o seja muito menos do que na europeia, em que a sua maldade nas histórias dos santos é quase constante.