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Mitologia em Português

19 de Abril, 2024

O Massacre de Lisboa de 1506

Falar do Massacre de Lisboa de 1506 é, hoje e talvez mais que tudo, falar de um episódio da história de Portugal que está agora quase esquecido. Isso até faz um certo sentido - tendemos a definir-nos como um "povo de brandos costumes", entre o qual os massacres são raros... - mas não deixa de ser um episódio bastante chocante da história nacional, que também ficou conhecido como o Pogrom de Lisboa (para quem o desconhecer, um pogrom é um "movimento popular violento organizado contra uma comunidade judaica", como informa o dicionário da Priberam) ou a Matança da Páscoa de 1506 (em virtude da altura do ano em que teve lugar). Agora, poderíamos, como é habitual, recordar aqui todo o episódio pelas nossas próprias palavras, mas decidimos fazer algo um pouco diferente - vamos contá-lo aqui com as mesmas palavras que outrora encontrámos e transcrevemos de um antigo documento legal presente na Torre do Tombo:

O Massacre de Lisboa de 1506

Em Domingo de Pascoela, 19 de Abril de 1506, pela manhã, estando El-Rei D. Manuel em Avis por causa da peste, começou em Lisboa o horrível motim e matança dos Cristãos Novos, a que deu origem certo reflexo de Sol que se derivava no Santo Cristo da Igreja de S. Domingos, que uns diziam ser milagre, e outros negavam que o fosse.
Fr. João Moucho, natural de Évora, e Fr. Bernardo Aragonez, frades do mesmo convento, foram o principal incentivo daquela emoção, porque com diabólico furor sairam a pregrar pelas ruas contra os Judeus a incautos.
Muitos amotinados ouve, em que entravam bastantes estrangeiros, que carregados de roubos navegaram para suas terras. O número de vítimas, lançadas ao fogo, vivas umas, e mortas outras, passou de duas mil, de todos os sexos e idades. A desordem demorou três dias. El-Rei acudiu severo a punir tamanhas atrocidades, e muitos culpados sofreram a última pena, não escapando os dois frades, que morreram queimados vivos. Todos os outros foram postos na minha do castelo, e as chaves do Convento entregues ao Prior de Santa Justa. A cidade perdeu os seus foros, que recuperou depois.
Esta foi a primeira perseguição directa que sofreram os Judeus em Portugal, e que aumentou o ódio contra eles. O que pinta a eles se haverem tornado ricos pelas suas traficâncias, e por consequência soberbos e orgulhosos; defenderem com audácia os mistérios da sua fé; e talvez olharem com desprezo os Cristãos. Tudo isto chamou contra si a Inquisição, que tão barbaramente os tiranizou.

Em suma, num tempo em que grandes pestes afectavam o nosso país, um pequeno "milagre" parece ter ocorrido no interior da belíssima Igreja de São Domingos, em Lisboa. Os Cristãos presentes pensaram logo tratar-se de um verdadeiro milagre, um Cristão Novo - ou seja, um ex-Judeu, que ainda era visto com desconfiança - atreveu-se a afirmar o contrário, e esta demonstração da sua pouca fé parece ter acendido um rastilho de ódio que levou à morte de milhares de Judeus nos dias em que se seguiram, neste chamado Massacre de Lisboa de 1506. Os culpados não escaparam à Justiça, mas - e como o texto indica - foi este episódio histórico um principal impulsionador da (então futura) presença da Inquisição em Portugal, onde viriam a ser condenados e a falecer muitos outros Judeus.

 

Agora, se este Massacre de Lisboa de 1506 está hoje quase completamente esquecido, quem for à cidade ainda poderá encontrar, muito próximo da Igreja de São Domingos e do local em que estes episódios outrora tomaram lugar, uma pequena homenagem aos que faleceram durante o episódio. Num semicírculo adornado com uma Estrela de David constam as seguintes palavras, que aqui recordamos ao terminar o tema de hoje:

1506-2006
Em memória dos milhares de Judeus vítimas da intolerância e do fanatismo religioso assassinados no massacre iniciado a 19 de Abril de 1506 neste largo.
5266-5766 [*]

 

*- Estas são as mesmas datas já apresentadas acima, mas convertidas para o calendário judaico.

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