O mito da deusa Atégina?
Apresentar aqui um mito da deusa Atégina implica, antes de mais, levantar aqui a mesma ressalva que há já uns anos deixámos sobre um potencial mito de Endovélico - "mesmo se tratando, aparentemente, de uma importante divindade nativa do nosso país, nenhum autor grego ou romano nos fala dela, nem nenhum autor ibérico a ela se refere com informação completamente credível. E, na verdade, nada saberíamos hoje sobre esta figura não fosse o facto de terem sido encontrados diversos ex-votos com o seu nome". Toda essa informação se mantém em relação a esta figura de Atégina, não fosse uma pequena, mas importante, descoberta sobre ela. Mas já lá iremos.
Há alguns dias atrás uma amiga pediu-nos que falássemos deste tema. Estranhámos o pedido, na medida em que se sabe muito pouco sobre esta figura ibérica, mas ela enviou-nos então o seguinte texto, que pode ser encontrado na internet sem a referência a qualquer autoria explícita:
No Equinócio de Outono, celebra-se o ritual que representa a descida de Ataegina ao Submundo. Segundo o que nos conta a tradição, Ataegina desce ao Submundo, em busca de Seu Amado Endovélico, que havia sido morto por um grande javali (que simboliza as Forças da Destruição, que desfazem a forma para que a essência possa renascer). Ataegina desce e encontra-se com seu amado, agora Senhor do Mundo dos Mortos: Enobólico, o Muito Negro. Ela, que é a força que a tudo vivifica, ao mergulhar nas trevas da Morte, abandona o Mundo dos Vivos à escuridão.
A imagem da Deusa fica sobre o altar nos meses claros do ano, mas no Equinócio de Outono, ritualiza-se a descida de Ataegina, guardando com segurança a imagem da Deusa, junto com a imagem de Endovélico, que é também guardada na véspera, quando se ritualiza a morte e descida do Deus ao Submundo, pela força do Javali Negro. Os ícones dos Deuses ficam guardados no sacrário durante os meses escuros e só são retirados seis meses depois, no Equinócio de Primavera, a Festa do Desabrochar da Vida.
Sempre que Ataegina desce, confio à Deusa e Senhora Nossa as sementes de meus sonhos. Pois Ataegina é, então, a própria Semente: que em busca de florescer novamente em Amor e Beleza, junto a Seu Amado, se enterra no Ventre Sepulcral da Terra Mãe. A semente, debaixo da terra, será roçada pelas Forças de Destruição do Submundo, que farão a casca da semente se putrefazer. Nesse processo, ela passará por dor e medo, numa verdadeira alquimia, no Caldeirão da terra, vermes e humidade do Ventre da Velha Dana. E deste caos germinal, surgirá o broto verde que se elevará, em busca do Sol: Endovélico (o que floresce), que aí sim, terá voltado a brilhar sobre a superfície. O broto crescerá, recebendo os beijos cálidos de Endovélico. O botão logo se mostrará por entre as folhagens, e eis que, no tempo certo, florescerá, e a Deusa, assim, retornará aos seus filhos, a Renascida, a Flor plena de Vida, Alegria, Beleza e Amor, Ataegina!
E junto com a Deusa, florescerão os sonhos que este filho devoto lhe confiou, e que junto com Ela, festejará a realização de cada um deles, assim como também aprenderá com Ela sobre a não realização daqueles que não vingarem, pois Ataegina é Senhora da Terra, da Lua e do Submundo, Deusa Tripla que reina sobre todos os Mundos, e que conhece o que vai nas profundezas subterrâneas de nosso inconsciente, no íntimo de nossa alma, e Sabedora disso, concederá sempre os frutos apropriados para a nossa colheita.
Tudo isto poderá parecer muito fascinante e bonito para quem pouco ou nada perceba destes assuntos, mas será que tem algum fundo de verdade? A resposta é, obrigatoriamente, um ressoante NÃO, na medida em que sabemos muito pouco sobre esta deusa, não tendo sequer alguma prova real de que ela estivesse de alguma forma associada a Endovélico, como quem escreveu aquelas linhas afirma - mas sem quaisquer provas! Assim sendo, o que sabemos mesmo sobre esta figura divina?
Procurando então um mito da deusa ibérica Atégina, mas um verdadeiro e sem sincretismos falsos como os apresentados acima, o pouco que sabemos sobre ela advém do facto de ser mencionada juntamente com a deusa Proserpina em algumas das lápides que foram sendo encontradas na Península Ibérica até aos nossos dias. Tipicamente, isto quer dizer que quando os Romanos tomaram conhecimento desse culto ibérico, encontraram nele alguns paralelismos com os de essa sua deusa, mas não sabemos quais terão sido. Atégina podia ser, por exemplo, uma deusa dos mortos, ou da Primavera, ou ter sido raptada por alguém, ou mesmo sido filha de uma deusa da vegetação, etc.; não sabemos, nem temos forma real de o saber, que semelhanças encontraram eles entre as duas figuras, mas julgando por outros exemplos de processos semelhantes, como os dos deuses da Gália, em que uma figura como Esmértio (deus da guerra gaulês) foi equiparado a Marte (deus da guerra dos Romanos), podemos saber que existia "algo" em comum entre esta deusa ibérica e a famosa filha de Ceres. E é, na verdade, somente isso que podemos afirmar sobre ela - tudo o resto é, agora, nada mais que pura ficção, como aquelas muitas fantasias que vão sendo associadas a Lilith...