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Mitologia em Português

12 de Dezembro, 2020

O mito das fake news (ou notícias falsas)

Hoje, falamos também de um mito que é bem actual nos nossos dias, o das fake news, ou notícias falsas. A ideia não é de todo nova - já nos tempos da Antiguidade se dizia que Nero deitou fogo a Roma enquanto cantava sobre a destruição de Tróia, que Calígula fez do seu cavalo Incitatus cônsul, e que Jesus Cristo tinha nascido de uma relação extra-conjugal de Maria com um tal Pandera, entre infindáveis outros possíveis exemplos - mas parece continuar hoje tão actual como nesses tempos. Por isso, importa perguntar-se qual é, na verdade, a origem de todo este conceito...

As fake news e o fogo de Roma

Essencialmente, uma notícia tem, como o próprio nome dá a entender, o objectivo de noticiar ou informar de algo. Visto desse prisma o conceito é extremamente simples, mas o seu grande problema passa pelo momento em que se teve de começar a decidir o que noticiar. Vamos a um exemplo muitíssimo curioso que nos foi passado há já vários meses:

Um exemplo do mito das fake news (ou notícias falsas)

Segundo o escritor desta notícia, surgiu nas redes sociais uma publicação que mostrava imagens de alimentos num caixote do lixo e depois afirmava que Isabel Jonet e respectivos companheiros se apropriam de algumas doações ao Banco Alimentar. Neste breve resumo é logo associado um pequeno símbolo a afirmar que estas são afirmações falsas, puramente difamatórias. Mas depois, quem for mesmo ler o artigo completo, apercebe-se de algo muito curioso, que é o facto de ele somente desprovar a proveniência das imagens - e não dizer absolutamente nada sobre o outra metade da questão. Trocando por miúdos, fazendo uso do facto de pouca gente ler o artigo completa, esta notícia vende a ideia de que nem Isabel Jonet, nem os companheiros, se apropriam de absolutamente nada. Ou seja, um site de verificação de notícias fez mau trabalho jornalístico com a intenção de vender ao público uma ideia que lhes parece digna de defesa - ou seja, o Polígrafo publica fake news, ou notícias falsas, de uma forma encapotada.

 

Porque o faz? Porque uma notícia só é considerada falsa - seja hoje, como já o era nos tempos da Antiguidade - se não servir os nossos propósitos. Se, por exemplo, antes de um período de eleições um determinado candidato começa a subir muito nas sondagens, depressa são publicadas N notícias que tentam alterar esse ímpeto - assim, surgem notícias a dizer, por exemplo, que ele violou crianças em tempos de escola, que deitava fogo a animais na adolescência, e todo um conjunto de falsidades - enquanto que, ao mesmo tempo, o candidato que se pretende fazer subir nas sondagens é trazido à ribalta como dando de comer a quem tem fome e outras coisas que tais.

 

Na notícia acima, por exemplo, o mau trabalho jornalístico foi feito de forma muitíssimo propositada e publicado numa altura em que as pessoas poderiam vir a pensar o contrário. E nunca seria declarado como fake news, ou notícias falsas, porque cumpre plenamente o objectivo de quem decidiu publicar aquelas linhas, que foi o de isentar "Isabel Jonet e respectivos companheiros" de todo e qualquer roubo. De facto, nem lhes importa se esses factos são verdadeiros ou não, mas sim que tenham encontrado uma forma - dissimulada - para promover uma dada ideia. E isso até já vem de tempos da Antiguidade - apesar de não se ter qualquer certeza sobre os fogos de Roma, os Cristãos diziam que foi Nero, e os anti-cristãos diziam que foram eles. Como os primeiros acabaram por ganhar o confronto, a história acabou por declarar que o culpado foi Nero - não porque o tenha sido, mas porque é uma informação conveniente.

 

Nesse seguimento, a existência de fake news é um puro mito, porque nos vende a ideia de que algumas notícias são falsas e outras verdadeiras com base no factor discriminatório das intenções do editor. Pouco importa a verdade - ou falsidade - das informações que contém, desde que leve o leitor a pensar o que se pretende que ele pense. E isso é muitíssimo perigoso, porque está a criar um mundo em que pensamos e agimos quase exclusivamente como os outros querem que o façamos. Se, por exemplo, há 10 anos atrás nos viessem dizer que para irmos almoçar fora a um domingo tínhamos de levar um dado documento, certamente que nos iríamos rir e fazer alguma piada relativa ao Estado Novo. Parecer-nos-ia tão absurdo que o consideraríamos impensável. Mas, agora, tendo repetidamente vendido ao público uma narrativa em que essa privação de direitos é para seu bem, já toda a gente o aceita sem pensar - e, na verdade, até critica quem não o faz, tornando-se uma espécie de agente da PIDE dos nossos dias.

 

Pense-se, então e no contexto do Covid-19, no seguinte. Surge uma primeira notícia, que diz que a vacina não tem qualquer efeito secundário; surge uma segunda, que diz que ela tem efeitos secundários. Para bem do processo de vacinação, depressa surgiria uma notícia que afirma que a segunda destas é falsa, completamente falsa, porque caso contrário as pessoas poderiam ser levadas a não se vacinarem. Afirme-se, novamente, que a presença ou ausência de efeitos secundários é irrelevante - importa é vender-se, seja como for, uma ideia estipulada pelo editor, mesmo que ela não seja verdade. E, nesse seguimento, uma qualquer notícia só se torna fake news se for contrária ao objectivo a que esse tal editor se propõe. Ou seja, trocando por miúdos, as notícias falsas só existem quando não servem o nosso objectivo; não são notícias falsas, mas sim - talvez até seja mais correcto chamar-lhes mesmo isso - notícias inconvenientes.

 

Se já cá falámos da censura no Sapo Blogs, e de como ela se baseia em critérios editoriais vagos e que só são aplicados a alguns, tudo isso funciona no mesmo sentido - os editores pretendem vender algumas ideias e, nesse seguimento, promovem ou ocultam publicações mediante elas se conduzam - ou não - para o sentido desejado. Se também o pudessem fazer, declarariam as primeiras como completamente verdadeiras, e as segundas da maior falsidade do universo. Isto, não porque sejam verdade ou mentira, mas porque lhes serve um dado propósito. E é nisso que consiste todo este grande mito das notícias falsas - por muito que lhes seja dado esse nome depreciativo, elas só são apelidadas de "falsas" se não cumprirem os nossos objectivos individuais... quando, em alternativa, se deveria era perguntar quem as escreveu e, mais importante que tudo o resto, com que objectivo!

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