O Quinto Império e o Padre António Vieira
Quando se pensa na ideia de Portugal como um Quinto Império, hoje popularizada tanto na Mensagem de Fernando Pessoa como em outras obras literárias, deveria pensar-se não só em Bandarra, de que já cá falámos anteriormente, mas também na grande figura do Padre António Vieira, talvez até a que mais contribuiu para essa ideia. Agora, se o famoso autor aborda esse tema em diversas das suas obras - recorde-se que até escreveu um livro com esse título - talvez um dos mais fascinantes seja aquele com que nos deparámos recentemente, de título História do Futuro.
O livro, que hoje se pode encontrar publicado somente numa forma incompleta e censurada, baseia-se, em conceito, numa ideia absolutamente fascinante - talvez até, para sermos sinceros, uma das mais fascinantes que já passaram por este espaço. E ela consiste em escrever não uma história do passado - como a são todas as outras, que por definição tratam das coisas que já aconteceram no mundo - mas em escrever uma história de tudo aquilo que ainda está por acontecer, nomeadamente a ascensão de Portugal como o grande Quinto Império deste mundo. E o país chegaria então a esse lugar cimeiro com a ajuda de... e é aqui que a proverbial porca torce o rabo, porque o viria a fazer com a ajuda de alguém cuja identidade desconhecemos*!
Na edição mostrada acima, no exacto momento em que o autor ia revelar essa informação faltavam pelo menos quatro páginas. Partimos em busca delas, mas acabámos por notar que estão ausentes em todas as edições da obra. E depois, quem prestar atenção à capa acima poderá, igualmente, notar a estranha referência a este como um livro anteprimeiro, ou seja, uma espécie de prequela da verdadeira História do Futuro, que já não nos chegou excepto em escassos fragmentos.
O que aconteceu ao resto da obra? Não sabemos, excepto no facto de que a Inquisição teve acesso a alguns capítulos que não nos chegaram, quando levou o famoso autor ao seu tribunal. É por isso possível que o Padre António Vieira até tenha composto uma versão mais completa, potencialmente acabada e em sete livros, mas que nunca foi publicada e não nos chegou. Por esta breve composição, na forma como a temos hoje, entende-se que propunha uma obra baseada em perguntas e respostas, e que apresentava Portugal como o Quinto Império através de profecias bíblicas e compostas por autores mais recentes, entre as quais se contaria certamente a da Batalha de Ourique, em que Cristo revelou a Afonso Henriques a glória futura de Portugal.
Mesmo na ausência desta obra, sabemos que a ligação entre o Padre António Vieira e o Quinto Império foi forte e muito concreta. Foi ele um dos principais autores a propô-la, indubitavelmente o mais famoso até Fernando Pessoa, com um misterioso monarca português e o papa (em Roma) como seus grandes governadores, mas... até à data de hoje acabou por não se concretizar. Será que um dia Portugal lá acabará por se tornar esse grande império profetizado em obras como aquela que hoje aqui apresentamos? Parece difícil, mas como também se costuma dizer, "o futuro só a Deus pertence" e "o futuro o dirá".
*- Na sequência de uma outra obra, foi perguntado ao Padre António Vieira pela Inquisição a identidade do rei português que viria a comandar o Quinto Império. As respostas merecem ser mostradas directamente aqui:
Questão Quinta: Se El-Rei de Portugal há-de ser El-Rei D. Sebastião?
Negativo.Questão Sexta: Se o dito Rei de Portugal há-de ser El-Rei D. João?
Problema.Questão Sétima: Se El-Rei de Portugal há-de ser El-Rei D. Afonso, ou o Infante D. Pedro?
Vejo subir um Infante no alto de todo o sonho.
Ou seja, se ele acreditava num império desta natureza para Portugal, também parece indicar, por estas respostas que deu à Inquisição, que o seu monarca, o Encoberto, não seria D. Sebastião ou D. João IV, mas sim e provavelmente D. Pedro ("II"), mais do que D. Afonso ("VI").