O que foi a Doação de Constantino?
Como muitos outros, a Doação de Constantino é daqueles documentos que tiveram um impacto profundo na história europeia, mas que quase ninguém parece ter lido nos nossos dias. Portanto, hoje decidimos fazê-lo, para também aqui contar parte da sua história e o que ele verdadeiramente contém.
Quando se trata da conversão de Constantino o Grande ao Cristianismo, existem diversas lendas associadas a esse evento. A mais famosa é provavelmente aquela em que o Imperador viu nos céus antes de uma batalha as palavras "In hoc signo vinces", mas a Doação de Constantino começa por contar uma versão alternativa, muito menos conhecida. Segundo ela, em dada altura da sua vida o filho de Santa Helena começou a sentir uma espécie de lepra no seu corpo e pediu aos sacerdotes da sua religião pagã que o ajudassem. Estranhamente, eles sugeriram que uma piscina no Capitólio fosse enchida com o sangue de crianças inocentes e que o doente tomasse um banho nela. É uma ideia horrenda, mas estranhamente comum na tentativa dos autores cristãos mostrarem o quão abominável era a religião pagã. Porém, neste caso específico, em vez de seguirem esse plano, Constantino teve um sonho nessa noite, em que lhe apareceu Pedro e Paulo - os apóstolos de Cristo - e lhe explicaram como podia curar a sua doença sem necessitar de cometer uma acção assim tão problemática.
O Imperador Constantino lá fez o que lhe pediram nesse sonho, chamou o Papa Silvestre I, e este foi capaz de o curar. E é aqui que o documento se torna mais interessante - como agradecimento por esse acto, o imperador doou a esse papa, aos que lhe seguissem, e a toda a Igreja não só as terras que pertenciam ao Império Romano do Ocidente, mas também todo o poder sobre as principais igrejas que então existiam.
É, essencialmente, esse o conteúdo da Doação de Constantino. Na Idade Média, a ideia que contém foi utilizada para argumentar que todo esses locais eram propriedade da Igreja, que os reis e imperadores seculares apenas podiam "alugar" o seu poder através de uma espécie de autorização papal (relembre-se, por exemplo, que Afonso Henriques só pôde criar o seu país depois do papa da altura assim o consentir), até que em meados do século XV Lorenzo Valla foi capaz de provar, com base na linguagem do próprio documento, que era tudo pura e simplesmente uma falsificação, potencialmente escrita por volta dos séculos V-VIII da nossa era. Ou seja, trocando por miúdos, que na verdade a Igreja Católica não tinha qualquer poder sobre o antigo Império Romano do Ocidente. E, face a isso, o documento lá foi perdendo a sua importância, restando hoje apenas como uma falsificação que em outros tempos foi utilizada para justificar o grande poder secular da Igreja...