O Santo Sudário é Verdadeiro? Lendas, realidade, e... o de Lisboa!
O tema de hoje, sobre se o Santo Sudário é verdadeiro, é um de aqueles que fomos deixando de lado por várias vezes ao longo dos anos. Não por falta de interesse - seja da nossa parte, ou do próprio tema em si mesmo - mas porque fomos sentindo que ainda não tínhamos obtido informação e coragem suficiente para produzir uma só página que conseguisse resumir o cerne do tema. Isto, até que há umas semanas lá sentimos que já era altura do tema ser, de uma vez por todas, abordado por aqui...
O que é o Santo Sudário?
Para quem ainda nada conhecer sobre este tema, o Santo Sudário - também chamado "de Turim" em função da cidade italiana que hoje o guarda, até porque em tempos existiam outros - é uma relíquia do Cristianismo que se assemelha a uma espécie de lençol, aquele que envolveu o corpo de Jesus Cristo quando este esteve no seu túmulo. Assim, quem olhar para a imagem acima - em negativo vê-se melhor, daí a reprodução dupla - poderá ver ao centro uma cabeça, à sua direita a face, à esquerda a parte de trás da cabeça, e assim sucessivamente, como se uma figura humana tivesse sido envolvida por este material. E até aqui tudo bem, isso é o que todos podemos ver na imagem, mas... como é que sabemos que se trata do famoso fundador do Cristianismo, e não de uma qualquer outra pessoa morta ao longo dos últimos dois mil anos? É em busca dessa resposta que procurámos a lenda por detrás desta relíquia, seguida pela verdadeira história que ela também nos esconde.
A "lenda" do Santo Sudário
Hoje em dia já muito pouco se diz sobre a lenda que outrora existiu ligada ao Santo Sudário de Turim. Isto porque ao longo do tempo se foi detectando que ela nem merecia ser considerada uma "lenda", mas era pura e simplesmente uma história completamente ficcional, inventada em finais do século XVI e que surgiu primeiro na obra Sindon Evangelica (de Filiberto Pingone), que tentava explicar como é que esta relíquia chegou à mão da Casa de Sabóia por intermédio de uma tal Margarita de Charny. Era uma completa ficção pejada de muitos milagres e completas fantasias (relembrando, por exemplo, a lenda do nosso Bom Jesus de Matosinhos), mas que tinha um curioso aspecto - a tal "Margarita" existiu mesmo, foi de facto ela que passou o sudário à Casa de Sabóia (de onde, depois, chegou até aos nossos dias), mas... se assim o foi, de uma forma que agora parece tão simples, porquê a necessidade de esconder toda esta origem? É aqui que a história se torna mais interessante!
A verdadeira história do Santo Sudário
Em dada altura, essa tal Margarita de Charny teve em sua posse a relíquia a que chamamos o Santo Sudário. Andou, durante vários anos, a exibí-la por toda a França a troco de dinheiro. Obteve-a roubando-a de uma ordem religiosa a quem tinha sido doada por um falecido Godofredo de Charney (que era avô da senhora). Este cavaleiro obteve-a em alguma altura desconhecida antes do ano de 1353, mas a história da relíquia até então é demasiado incerta, assenta em infinitas teorias e zero certezas. Porém, o que tem muito interesse nesta história é que no ano de 1390 um bispo local, um tal "Pierre d'Arcis", escreveu um documento ao seu papa, no qual nos revela que o seu predecessor tentou apurar a origem da relíquia e conseguiu descobrir que não só esta era uma completa falsificação, como até foi capaz de encontrar o artista que a pintou. Ou seja, trocando por míudos, em finais do século XIV, uma figura que nada tinha a ganhar - e provavelmente bastante a perder - em declarar esta relíquia uma falsificação, fê-lo... e se não for suficiente para vos convencer, na segunda metade do século XIV este suposto sudário de Cristo até tinha sido exibido ao público, mas com a advertência de que se tratava de algo meramente simbólico, não a verdadeira cobertura do corpo de Jesus Cristo!
Então, o Santo Sudário é Falso?
A história acima poderia indicar-nos que o Santo Sudário não é verdadeiro, por já no século XIV se pensar isso e porque nessa altura até parece ter sido apurado quem o pintou. Contudo, quem olhar bem para esta suposta relíquia poderá ver que ela está parcialmente danificada, pelo menos nas secções que assinalámos acima a vermelho. Prestando ainda mais atenção, poderão notar que existe um certo espelhamento nesses estragos, como se alguma altura da sua história tivesse sido guardada com dobras. E sabe-se que isso até acontecia no ano de 1532, altura em que, na noite de 3 para 4 de Dezembro, a capela onde era guardado sofreu um incêndio. Nessa sequência, esta mortalha não foi vista durante algum tempo e depois lá reapareceu... o que, para quem quiser ter um certo cepticismo, poderá levantar a ideia de que o original, então possivelmente destruído, foi nessa altura substituído por uma cópia menos danificada (não podia ser uma em boas condições, para se poder afirmar que sobreviveu ao incêndio apenas por milagre, como dizem lendas da época). Ou seja, que se o sudário de Godofredo de Charney e de Margarita de Charny era conhecido por ser uma falsificação, em 1532 ele ficou muito danificado num incêndio, e depois a Casa de Sabóia, procurando manter o (novo) prestígio que a relíquia tinha obtido apenas na sua posse (onde já não era considerada uma falsificação...), encontrou uma outra, danificou-a parcialmente para condizer com a lenda, e, por grandesíssimo milagre, essa era, de facto e inesperadamente, a verdadeira mortalha de Jesus Cristo. É possível, certamente que o é, mas teria de ser uma das maiores coincidências da história da humanidade... e é bastante difícil acreditar nessa ideia, certo?!
O Santo Sudário de Lisboa
Tenha ou não sido uma falsificação, a verdade é que o chamado Santo Sudário de Turim, estando na posse da Casa de Sabóia, se foi tornando muito popular por toda a Europa, levando a que fossem feitas e apresentadas cópias em muitos países. Entre eles contava-se Portugal, e há alguns séculos atrás os Lisboetas podiam, num dado feriado, ir ao Convento da Madre de Deus e ver no local uma reprodução desta mesma relíquia. Ela ainda existe, normalmente não está exposta ao público, mas foi-nos mostrada há quase 10 anos e, na verdade, é muito desapontante, porque preserva alguns elementos do original mas é absolutamente impossível que alguém acreditasse tratar-se, neste caso nacional, de um verdadeiro sudário de Jesus Cristo. Porém, é apropriado registar aqui uma breve alusão à sua existência, já que hoje existe pouquíssima informação sobre esse, outrora famoso, Santo Sudário de Lisboa.
Em suma, o Santo Sudário é Real?
Hoje, dada a importância de toda esta relíquia, existiram já dezenas de tentativas diferentes de apurar se o Santo Sudário é Real. Uns dizem que sim, outros lá respondem que não, mas é curioso que quando lhe foi feito um teste de carbono-14, a datação indicou uma provável origem no século XIII ou XIV, absolutamente condizente com a informação dada por Pierre d'Arcis, segundo o qual esta tinha sido uma completa falsificação do seu tempo, só pecando o bispo francês por não nos ter preservado o nome e origem do respectivo pintor. Por isso, caros leitores, se se quiserem apoiar na fé, poderão encontrar infindáveis argumentos para tentar refutar a ideia de uma falsificação medieval, mas se preferirem seguir a lógica, é muito difícil poder acreditar-se que, de facto, esta relíquia é real, o verdadeiro pano que em outros tempos cobriu o corpo de um Jesus falecido... e quem tiver mais curiosidade sobre o tema poderá até ler The Shroud of Turin, da autoria de Andrea Nicolotti, que explica toda esta história de uma forma bastante detalhada, incluíndo até os muitos testes que foram sendo feitos ao Sudário nos nossos dias (e não fomos pagos para fazer esta publicidade).
Resta talvez uma pergunta - como até dá o mote uma dada exposição dos nossos dias, quem é o homem do Sudário? Terá sido ele Jesus Cristo, um modelo cujo nome já há muito foi esquecido, ou uma figura completamente ficcional? Em busca de uma resposta, olhem para a imagem que reproduzimos antes deste último subtítulo. Não representa ela Jesus Cristo tal como ainda o representamos hoje, e como ele é frequentemente imaginado na arte ocidental? Não vos parece coincidência demais? É, portanto, demasiado provável que o artista, mesmo que não saibamos quem ele foi, tenha procurado representar a figura do famoso Filho de Maria tal como ele era imaginado no seu próprio tempo, sem que para isso necessitasse de um modelo real à sua frente. Portanto, a acreditar-se na (muito provável) falsificação desta suposta relíquia, o Homem do Sudário não era senão Cristo, mas um que apenas existia na pura imaginação do seu pintor. Não era um homem real.