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Mitologia em Português

10 de Agosto, 2020

O segredo do Unicórnio

Será que já conhecem o grande segredo do Unicórnio?

Há algum tempo vimos uma pessoa que tinha no seu perfil de uma rede social um pormenor de um conjunto de tapeçarias medievais que é conhecido sob o nome de La Dame à la licorne, ou seja, A Dama e o Unicórnio. Isso relembrou-nos que há anos que estamos para contar o que se segue.

Uma Dama com um Unicórnio (e outros animais)

Para quem ainda não o souber, o Unicórnio não é uma criatura estática. O Leão é sempre o rei dos animais, a Raposa é sempre muito traiçoeira, o Cordeiro é muito mansinho, mas já o Unicórnio - ou, se preferirmos dar-lhe outro nome dado o contexto de hoje, o Licorne - é um animal cujas características foram mudando ao longo dos séculos. Na Idade Média, por exemplo e como já cá dissemos uma vez, uma representação muito vulgar é a desta criatura a ser abraçada no regaço de uma dama, enquanto que um caçador lhe dá um golpe mortal. É uma representação que faz algum sentido, porque na época se acreditava que apenas as mulheres virgens podiam capturá-lo. Mas nem sempre assim o foi - pelo menos um autor dizia que os homens poderiam fazê-lo se se disfarçassem muito bem (numa espécie de travestismo de outros tempos), e depois se ungissem com todos os melhores cheiros acessíveis aos seres humanos. E esta ideia, por estranha que nos pareça, permite-nos compreender uma existência sequencial de pelo menos três formas de um mesmo animal:

 

  • Já existia, pelo menos em tempos da Pérsia Antiga, a ideia de um animal semelhante ao cavalo mas com cornos. Dizemos cornos, no seu plural, porque ele tendia a ser representado de perfil, sendo difícil de saber se apenas tinha um ou já vários, mas a localização do único corno visível parece indicar o segundo caso;
  • Foi-se gerando, mais tarde, a ideia de que apenas as mulheres podiam amansar e capturar esta criatura, que se pensava ser muito brava. Não sabemos precisamente de onde veio essa ideia, mas é repetida por diversos autores pagãos;
  • Já na época cristã é que surgiu a ideia de que a captura do animal estava ligada à própria virgindade de uma mulher. Novamente, desconhecemos de onde vem essa inovação, mas muitas vezes é estabelecido um paralelismo entre a história do animal e a pureza perpétua da Virgem Maria.

 

Talvez seja esse o estranho segredo do Unicórnio medieval, um segredo como o que se esconde nas tapeçarias mencionadas acima. Na última da sequência de seis, que até reproduzimos parcialmente acima, a dama pode ser vista em frente a um pequeno pavilhão onde está escrito À mon seul désir, algo como "pelo meu próprio desejo". A frase pode ter mil significados diferentes, até dado o seu contexto, mas podemos ligar a ideia ao animal central dizendo que essa sua mansidão - veja-se que o equídeo até está numa pose de submissão, acompanhado por um feroz leão numa pose semelhante - apenas podia ser obtida por uma dama que pelo seu próprio desejo se mantivesse virgem. Seria toda a história deste animal, já em tempos da Idade Média, uma estranha metáfora para algo que não podemos repetir aqui?

 

Ou seria, de um modo mais geral, o estranho segredo do Unicórnio medieval o facto de ele se tratar de uma espécie de fantasia, de papão, perpetuada para incentivar a virgindade das jovens das classes altas da altura? Não sabemos se sim ou se não, mas a verdade é que quando pensamos neste animal nos nossos dias, já não o fazemos com qualquer conotação moral. O Licorne, ou como quisermos chamar a este animal, é agora uma criatura supostamente muito rara, em alguns momentos até associada à pureza dos tempos de criança, mas já não parece ter qualquer conotação mais moral, numa espécie de quarta existência da figura, que se segue às três de que falámos acima. E talvez seja melhor que assim o seja, porque uma criatura sempre tão bela não merece ser morta nem conspurcada como a que Marco Polo diz ter visto nas suas viagens, quando a confundiu com um rinoceronte que chafurdava na lama...

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