"O Senhor da Satisfação Perfeita"
Conhecida no original como Ruyijun Zhuan, O Senhor da Satisfação Perfeita é uma obra chinesa do século XVI que merece ser mencionada por cá não em função do seu conteúdo mitológico, que é quase inexistente, mas por nos parecer suficientemente invulgar para a época em que foi produzida. Se na Europa da altura ainda se parecia pregar uma espécie de visão muito casta das relações sexuais, quase só procriativas e no seio do casamento, já nesta obra chinesa o sexo é apresentado de uma forma clara e muito directa.
A base de toda a história é relativamente simples - Wu Zetian, imperatriz da China em finais do século VII e inícios do VIII, tinha um problema, que era o facto de não conseguir encontrar ninguém que a satisfizesse completamente na... chamemos-lhe, "artes do amor". Assim, casou e teve vários amantes, mas nunca ficou satisfeita na cama. Até que lá encontrou um jovem, ainda virgem, que foi capaz de a satisfazer continuamente, e a quem depois viria a chamar O Senhor da Satisfação Perfeita.
Mas... que tem tudo isto de especial? Não acontece em várias obras literárias dos nossos dias? Talvez sim, mas não na altura e ainda menos com estes contornos - Wu Zetian tinha pelo menos 70 anos quando conheceu este Xue Aocao (que, recorde-se, ainda era um adolescente), e a aventura que une ambos é uma apresentada numa obra plenamente sexual, em que a heroína toma repetidamente o controlo das situações, ordenando até o que pretende, mas sem um conjunto de metáforas e escondimentos que caracterizavam a literatura ocidental da mesma época. É quase como ver um filme pornográfico, mas um escrito e realizado do ponto de vista feminino, em que é a mulher que repetidamente toma o controlo face a um jovem inicialmente inexperiente, mas que ao longo do tempo lá vai aprendendo como satisfazer a sua mestra e monarca.
Não sabemos se estes amores de Wu Zetian por Xue Aocao têm algum carácter histórico ou são mera ficção, mas não deixam de ser uma curiosa história de sexo, mais do que de amor. É essa a relação entre ambos, algo plenamente e quase puramente sexual, aquilo a que hoje chamaríamos "amigos coloridos", e tentar chamar-lhe algo de diferente é uma clara deturpação do espírito do original. Se, na Europa católica do século XVI, ter sexo pelo sexo e pelo prazer era visto de uma forma muito negativa, face a este Senhor da Satisfação Perfeita somos levados a acreditar que as coisas eram bem diferentes na China da mesma época.