Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Mitologia em Português

03 de Agosto, 2023

O Sílabo dos Erros de Pio IX

Se ainda há dias aqui falávamos de um outro papa português, hoje decidimos falar de um tema bastante diferente, o chamado Sílabo dos Erros de Pio IX. Outrora bastante famosa, esta é uma carta encíclica desse papa que foi publicada no ano de 1864, e na qual se tentava, de uma forma horizontal, criticar cerca de 80 ideias comuns na época e que iam contra as da própria Igreja. Nessa sequência, se acreditassem em alguma destas coisas - já lá iremos - os leitores iam directamente para o Inferno, supostamente sem hipótese de defesa, julgamento, ou qualquer outra coisa do mesmo género. E a que se referia então esse papa? A breve composição está dividida em diversas categorias, algumas mais fáceis de compreender pelo leitor comum do que outras, mas resumimos algumas delas abaixo, para curiosidade dos possíveis leitores. Assim, nessa sequência, aqui estão algumas das ideias que o Sílabo dos Erros de Pio IX tentava proibir:

O Sílabo dos Erros de Pio IX, capa de uma cópia inglesa

  • Secção I - Panteísmo, Naturalismo e Racionalismo Absoluto - que Deus não existe; que ele não afecta o homem ou o mundo; que somente a razão humana decide o que é bom e mau; que as verdades religiosas podem ser determinadas pela razão humana; que a revelação divina é imperfeita; que a revelação divina é contrária à perfeição do Homem; que as profecias e milagres da Sagrada Escritura são meras ficções, e que a existência de Jesus Cristo é um puro mito.

 

  • Secção II - Racionalismo Moderado - que a Teologia e as ciências filosóficas têm o mesmo valor; que os dogmas da religião cristã podem ser lidos à vista da Ciência; que os filósofos devem seguir a verdade comprovada; que a Igreja não deve interferir com a Filosofia; que os decretos da Igreja impedem o progresso da Ciência; que os ensinamentos da Teologia estão ultrapassados; que a Filosofia não deve ter em conta qualquer revelação sobrenatural.

 

  • Secção III - Indiferentismo, Latitudinarismo - que qualquer Homem pode seguir a religião que lhe parecer mais correcta; que a salvação eterna pode ser encontrada em qualquer religião; que quem não está na religião de Cristo pode, no mínimo, ter esperança de salvação eterna; que o Protestantismo não é senão uma outra forma da religião cristã.

 

  • Secção IV - Socialismo, Comunismo, Sociedades Secretas, ... - ideias criticadas no seu geral.

 

  • Secção V - Erros relativos à Igreja e seus direitos - que a Igreja não é verdadeira e perfeita; que o poder eclesiástico deve estar subjugado ao poder civil; que a Igreja não tem o poder de se auto-definir como a única religião verdadeira; que os pontífices cometeram erros e tomaram para si poderes puramente seculares; que a Igreja não deve usar a força ou ter poderes temporais; que a Igreja não tem o direito de obter e possuir propriedades; que as figuras da igreja não devem ter interesses temporais; que os bispos nada podem publicar sem permissão dos governos; que os favores temporais dados aos papas são nulos; que os poderes da Igreja vêm das leis civis; que os tribunais eclesiásticos devem ser abolidos; que os clérigos não devem ter serviço militar; que o ensinamento de Teologia apenas é da competência da Igreja; que a ideia do papa como uma espécie de monarca nasceu na Idade Média; que nada impede a mudança do poder do papa para outra cidade ou bispo; que a definição de um concílio não admite discussão; que podem ser estabelecidas outras Igrejas que não estejam sob o poder do papa; que os pontífices foram responsáveis pela separação das igrejas.

 

  • Secção VI - Erros sobre a sociedade civil e sua relação com a Igreja - que o poder do Estado não tem limites; que os ensinamentos da Igreja Católica não são bons para a sociedade; que os governos têm poder sobre assuntos religiosos; que a lei civil vale mais que a lei da Igreja; que a autoridade civil pode interferir nas concordatas da Igreja; que a autoridade civil pode interferir nos ritos da Igreja; que o Estado pode interferir no que é ensinado nos seminários; que as escolas para as crianças devem estar apartadas do poder da Igreja; que os Católicos podem aprovar um método de ensino que não seja religioso; que os poderes civis podem impedir os religiosos de comunicar com o papa; que as autoridades laicas podem definir os bispos para cada local; que um governo laico também pode remover os bispos de um dado local; que os governos podem definir os limites de idade nas igrejas ou as condições de acesso aos mosteiros; que os governos têm poder sobre as ordens religiosas; que os reis e príncipes não estão sujeitos ao poder da Igreja; que a Igreja e o Estado devem estar separados.

 

  • Secção VII - Erros relativos à ética natural e cristã - que as leis morais não precisam de aprovação divina; (várias referências mais ligadas ao Direito...)

 

  • Secção VIII - Erros relativos aos casamentos cristãos - que o casamento não deve ser um sacramento; que o sacramento é acessório e separado do contrato de casamento; que o casamento não pode ser dissolvido; que a Igreja não pode impedir casamentos; que Bonifácio VIII foi o primeiro a definir que os votos de castidade terminam um casamento; que as causas matrimoniais pertencem aos tribunais civis.

 

  • Secção IX - Erros relativos ao poder civil do soberano pontífice - que o poder temporal e o poder espiritual poderão não ser compatíveis; que a abolição do poder temporal na Igreja levaria à prosperidade da mesma.

 

  • Secção X - Erros relativos ao Liberalismo Moderno - que a Religião Católica não deve ser a única do Estado; que as pessoas podem venerar como bem entenderem; que é falso que esse direito levaria à corrupção das morais e mentes das pessoas; que o pontífice pode e deve reconciliar-se com a sociedade filosófica do seu tempo.

Olhando para trás mais de um século depois, este Sílabo dos Erros de Pio IX teve certamente alguma importância significativa na sociedade da sua época, mas refere igualmente um conjunto de ideias de carácter filosófico que ainda hoje têm algumas repercussões na nossa. Se a intenção, de um ponto de vista da própria Igreja, até era "boa", é muito provável que tenham sido devido a documentos como este que se veio a acreditar, cada vez mais, na existência de uma grande incompatibilidade entre Ciência e Fé, quando a segunda é quase apenas da competência pessoal, enquanto que a primeira está mais ligada à própria sociedade... e, por isso, a breve apresentação desta obra basta-nos, para o dia de hoje!

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!