Obsolescência Programada, ou como as empresas nos fazem gastar mais dinheiro
Hoje, até em virtude da aproximação do Natal, falamos aqui de Obsolescência Programada. Se ainda não conhecem a ideia o seu estranho nome até pode assustar um bocado, mas pode ser resumido como um grande truque que a maior parte das empresas agora faz bastante para nos fazer gastar mais dinheiro. Por isso, iremos começar por contar a sua história, antes de apresentar um pouco mais como é que a ideia funciona.
Há já quase um século, no ano de 1929, ou mais precisamente na chamada "Quinta-Feira Negra", teve lugar o início de uma grande crise económica mundial. Parece ter sido a primeira grande crise do género, as pessoas não estavam de todo à espera que ela acontecesse, e na sua sequência começaram, como parecerá natural, a gastar menos dinheiro, até porque desconheciam o que o futuro lhes traria. Isso foi-se prolongando nos anos seguintes, o que gerou um problema - as empresas continuavam a produzir os seus novos produtos, mas as pessoas nem sempre os compravam, pela incerteza que agora sentiam face ao futuro. E então, um tal Bernard London - pouco mais se sabe sobre ele, sendo até possível que se trate apenas de um pseudónimo - sugeriu, em 1932, numa pequena obra de título Ending the Depression Through Planned Obsolescence (i.e. "Acabar com a Depressão através da Obsolescência Programada"), que os produtos deviam passar a ter um tempo de vida útil, conhecido do seu aquisidor, após o qual poderiam ser trocados, ou revendidos ao Estado, por um determinado valor. Na sua opinião, isto geraria mais riqueza, em vez de permitir que as pessoas comprassem dados produtos, quaisquer que fossem (no seu artigo, ele chega a dar o exemplo de mobiliário e até de casas), e os utilizassem até que necessitassem mesmo de substituição. Muito infelizmente, a ideia já existia antes, apenas em algumas indústrias, mas foi depois sendo adoptada em muitas outras, mas com uma alteração crucial - a ideia foi implementada mas ocultando completamente aos consumidores que, contrariando a sugestão original, iriam deixar de saber quanto tempo de vida tem o seu produto (ou mesmo substituí-lo com apoios).
Como é que isto da Obsolescência Programada passou então a ser implementando? A famosa empresa Apple é talvez o mais perfeito exemplo dessa mesma ideia, pelo que podemos e devemos usá-la aqui como grande exemplo do que é, na verdade, uma falcatrua:
- Em primeiro lugar, a ideia funciona melhor quando o cliente não tem alternativa real ao produto, porque assim ele é sempre obrigado a comprar um produto da mesma marca, dando-lhes mais dinheiro. Daí o uso do sistema proprietário da Apple, em vez do Android, porque se assim não o fosse os clientes poderiam, pura e simplesmente, passar a utilizar equipamentos de outras marcas;
- Em segundo, devem ser apresentadas novidades no produto, mesmo que elas sejam puramente cosméticas, para dar a sensação ao cliente de que vale a pena comprar a nova versão. Daí as constants novidades que a Apple tenta ir apresentando ano após ano, mesmo que sejam tão breves como "mais pequeno" ou "com mais memória". Curiosamente, a maior parte dos clientes nem sabe que novidades paga, resumindo-as a "este agora é melhor";
- E em terceiro, para evitar que mesmo assim as pessoas se mantenham com os seus produtos durante tempo "demais", são adicionadas funcionalidades que impedem fisicamente fazê-lo. Por exemplo, mais uma vez no caso da Apple, os produtos são de difícil reparação, não é facilmente possível substituir a bateria, e o própro sistema vai, ás tantas, causando problemas para frustrar o utilizador, de forma a que ele seja forçado a deixar de o usar.
É, essencialmente, toda esta a grande ideia por detrás da Obsolescência Programada. É, em suma, o que se esconde por detrás de produtos criados propositadamente para se estragarem depressa, forçando o seu utilizador a gastar mais dinheiro. É, por exemplo, muitíssimo curioso que ainda existam lâmpadas eléctricas com mais de uma centena de anos em funcionamento, todas elas anteriores a 1932, mas as nossas, tecnologicamente muito mais avançadas, se estraguem sempre em menos de uma década - como o explicar, excepto pelo facto de terem sido criadas para se estragarem depressa, levando-nos a ter de comprar novas?!
Mas, para terminar, os mais cépticos ainda poderiam querer acreditar que isto é um puro mito dos nossos dias, uma mera teoria da conspiração, como aquelas dos Judeus. E até o poderia ser, não fosse o facto de se saber, hoje e comprovadamente, que algumas impressoras modernas têm um limite de páginas até se "estragarem" (um sistema que, com algum trabalho, por vezes até pode ser zerado); que peças originalmente independentes de máquinas de lavar, que podiam ser substituídas, agora já se encontram imbutidas no próprio equipamento; ou que determinados equipamentos antigos da Apple começam, nada misteriosamente, a ficar mais lentos quando os seus utilizadores instalam uma determinada actualização. São coincidências a mais, excepto se o cliente - ou consumidor "trouxa" - preferir mesmo acreditar que determinadas empresas não gostam de fazer o mais dinheiro possível... e, por isso, sabendo-se que usam truques como estes à socapa, talvez nunca devamos comprar os seus produtos. Fica a sugestão!