Os "Contos da Cantuária", de Chaucer
Os Contos da Cantuária, de Chaucer, são uma colectânea de pequenas histórias que numa viagem para a Cantuária, em Inglaterra, um conjunto de peregrinos, cada qual com a sua profissão, partilha entre si. É uma obra interessante, semelhante no seu espírito ao Decameron de Boccaccio, e talvez até uma das mais famosas da literatura inglesa medieval, mas talvez não estivesse a ser mencionada aqui hoje se não fosse pelo facto de entre as histórias contadas pelos seus intervenientes se contarem algumas provindas da Antiguidade ou mesmo inspiradas nos mitos greco-latinos.
Para dar um pequeno exemplo, uma das últimas histórias partilhadas nestes Contos da Cantuária principia com a derrota da Píton por Febo [Apolo]. Prossegue com a referência a uma esposa desta figura cuja fidelidade o "deus" (não é totalmente claro que ele aqui ainda se trate de uma figura divina) tentou preservar, colocando um corvo a guardá-la. Quando este animal falha o seu trabalho que lhe foi imputado, ele perde a sua voz cantora e é tornado negro. As semelhanças com o mito de Coronis são inegáveis, mas também existe algo de invulgar na história, que a faz soar mais como uma trama amorosa dos tempos medievais do que um antigo mito de tempos passados - e a ideia era comum na Idade Média, como também pode ser visto em obras como Sir Orfeu.
É esse espírito de romance que parece pautar todos os Contos da Cantuária, tanto ao nível de histórias mais recentes como em relação àquelas que provinham da Antiguidade. A isso se acrescente o facto de pelo menos duas enormes histórias estarem profusamente ilustradas com exemplos dos mais diversos autores - figuras como Cícero, Ovídio ou Boécio, apenas para mencionar três dos mais óbvios - e assim se poderá justificar a importância desta criação de Chaucer no estudo da recepção da cultura greco-latina na Idade Média.