Porque foi o Brasil chamado Terra de Vera (ou Santa) Cruz?
Quando os Portugueses primeiro chegaram ao Brasil, no ano de 1500, chamaram-lhe "Terra de Vera Cruz" (ou "Terra de Santa Cruz", ou Ilha desse mesmo nome). Claro que já todos ouvimos isto, nos nossos tempos de escola, mas, afinal de contas, qual é a origem desse nome e o seu significado?
Imagine-se que, como nos foi contado na escola, Pedro Álvares Cabral viajou por mar dias e dias até encontrar esta nova terra, que inicialmente pensou tratar-se de uma ilha. Viu um monte, uma floresta luxuriante, papagaios a esvoaçar, e tinha de decidir dar-lhe um nome para Portugal. E porquê "Vera Cruz"?
Explicar isso implica viajar no tempo para vários séculos antes. Quanto o cânone da Bíblia foi escolhido, existiram alguns textos que foram aceites e outros que ficaram de lado. Entre os que pertencem à segunda categoria contavam-se vários relatos (apócrifos) da juventude e idade adulta de Jesus. Esses textos, e outros que foram aparecendo mais tarde, continham várias histórias que se foram tornando populares ao longo dos séculos (por exemplo, as histórias de São Joaquim e Santa Ana, pais de Santa Maria, mãe de Jesus), mas que nunca foram totalmente aceites como "oficiais" pela Igreja, apesar de serem parte de uma tradição muito conhecida entre o povo.
Entre esses vários textos conta-se uma história, hoje já pouco conhecida, que dizia que José e Jesus, no seu emprego como carpinteiros, fizeram várias cruzes em que os criminosos iam sendo punidos. Entre as muitas que construíram contava-se uma cruz feita pelo próprio Jesus Cristo com a madeira de uma árvore muito especial - a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, a tal que deu o fruto que Adão e Eva comeram antes de serem punidos por Deus - e onde ele próprio acabaria por ser crucificado, associando (metaforicamente) a punição da humanidade com a expiação desse mesmo pecado original.
Em termos de certa brincadeira, podemos acrescentar que a história nunca conta como foi obtida essa madeira, ou quem foi buscá-la ao Paraíso. Mas, seguindo esta história popular, a cruz em que Cristo foi crucificado foi feita com madeira provinda do Paraíso.
Mas toda esta história ainda não terminou. Séculos após esses eventos supostamente reais, quando Santa Helena procurou a Cruz de Cristo em Jerusalém encontrou várias cruzes. Querendo saber qual a verdadeira, testou-as de alguma forma (os contornos da lenda variam, mas mostram sempre o carácter miraculoso exclusivo do lenho em que Cristo foi crucificado) e encontrou a que procurava, que ficou conhecida em Latim como Vera Crux, a "cruz verdadeira", por oposição às cruzes em que outros tinham sido crucificados.
Volte-se agora a Pedro Álvares Cabral. Certamente que ele conhecia estas histórias populares da sua época. Nesse sentido, quem for ler a Carta de Pero Vaz de Caminha, um dos primeiros relatórios do "achamento" do Brasil, poderá aí notar quatro aspectos dignos de nota:
- A razão por detrás do nome nunca é revelada;
- A descoberta teve lugar na altura da Páscoa, um monte próximo até foi chamado de "Monte Pascoal" (e a ligação entre essa festa religiosa e a cruz de Cristo é evidente);
- É repetidamente referida a nudez impudica dos nativos de ambos os sexos, chegando esta até a ser comparada com a inocência de Adão;
- São feitas várias referências à veneração da própria cruz.
Face a todas estas provas, não sabemos se alguma vez Pedro Álvares Cabral terá pensado verdadeiramente que tinha chegado ao Paraíso de que falava o Antigo Testamento, mas é certo que viu algo nas características da terra recém-descoberta que o fez pensar numa espécie de local paradisíaco, levando-o ao nome que lhe viria a dar - "Terra de Vera Cruz", ou seja, o/um Paraíso.
P.S.- Um autor mais tardio, o Padre Simão de Vasconcelos, conta que quando foi celebrada a missa pascal na sequência deste descobrimento algo de muito curioso, mas relevante no contexto deste espaço, teve lugar. Citando-se o passo da sua obra:
No meio destes aplausos [derivados da missa] quis também o elemento do mar com um seu, e foi que vomitou à praia um monstro marinho. Não conhecido e portentoso, recriação dos Portugueses por coisa insólita, e muito aprazível aos Índios por pasto do seu gosto. Tinha de grossura mais que a de um tonel, e de comprimento mais que o de dois. A cabeça, os olhos, a pele, eram como de porco, e a grossura da pele era de um dedo. Não tinha dentes, as orelhas tinham feição de elefante, a cauda de um covado de comprimento, outro de largo.