Porque são os Judeus odiados?
Explicar porque são os Judeus odiados é um tema que preferiríamos nunca ter de abordar por cá. Contudo, dadas as circunstâncias actuais somos como que obrigados a fazê-lo. Discutir-se se Hitler tinha ou não sangue judeu é profundamente estranho (p.s. - não temos sequer qualquer prova real disso...), quase dois passos mais à frente da negação do Holocausto, até porque implica o absurdo de querer sugerir todo um conjunto de barbaridades crescentemente mais estranhas, como a de partidos políticos nacionais que apoiam guerras. Por isso... dêem-se alguns passos atrás e pergunte-se de onde vem todo esse grande ódio por um dado grupo religioso, com um brevíssimo resumo de uma história completamente real e que teve o/um seu pináculo nos famosos horrores da Segunda Guerra Mundial.
Os Judeus no tempo dos Romanos
Todo este tema tem de começar no tempo dos Romanos, por ser um dos muitos períodos notáveis da história judaica. Se este povo não era forçado a venerar os deuses de Roma, grande parte das obras latinas que nos chegaram dessa época parecem representá-los como um grupo à margem da sociedade, uma espécie de excepção única a uma regra que vigorava para todas as outras pessoas, e isto em virtude de acreditarem, única e exclusivamente, num só deus. Tenha-se até em conta que os Romanos não conheciam muito bem a religião judaica, como pode ser visto no caso de Tácito, autor latino do primeiro século da nossa era, que considerava que esse povo venerava um burro... e isso poderá ter levado a todo um conjunto de crenças que, felizmente, depois se foram provando falsas, já que também vieram, em tempos mais antigos, a ser associadas aos Cristãos.
A Ascensão do Cristianismo
Um segundo momento notável da história judaica é, sem qualquer dúvida, o nascimento e ascensão da religião cristã. Jesus até podia ser judeu, esta nova religião pode ter nascido dessa anterior, mas a relação entre as duas religiões parece ter tido, desde o seu início, alguns conflitos. Famosas são as palavras do Evangelho Segundo São Marcos, em que este povo admite a sua culpa pela morte do Filho de Deus, dizendo algo como "que o seu sangue caia sobre nós e sobre os nossos filhos", numa espécie de proto-anti-semitismo, que depois muito se viria a prolongar nos séculos.
Porém, o que isto tem de particularmente notável é que representa somente um pequeno passo da evolução do Cristianismo. Em diversas obras de inícios da nossa era, hoje muito pouco lidas, podem ser encontrados momentos que ecoam esta culpabilização dos Judeus, e outros em que a mesmíssima acção é imputada apenas aos Romanos... sendo isto bastante notável no caso de Pôncio Pilatos, que em algumas obras é o vilão e acaba afligido por todas as doenças do mundo, e em outras é representado como um herói pio e tristemente incapaz de salvar o filho de Deus.
Assim, para se dar um vilão à história da crucificação de Jesus Cristo, numa opção entre os Judeus e os Romanos, os primeiros acabaram por "ganhar", sendo então vilanizados por centenas de anos...
As Duas Cartas dos Judeus
De facto, os séculos foram passando e os Judeus foram sendo odiados pela sua recusa em se converterem à nova religião, bem como seu (suposto) papel na morte de Cristo. Muito poderia ser escrito em relação a este período, mas o momento mais importante é provavelmente o da aparição, em finais da Idade Média, de duas cartas que se atribuíam a estes religiosos.
A primeira delas, quase inofensiva, atestava que tinham existido um grupo judaico que se tinha oposto à crucificação de Cristo, e que depois emigrou para terras que são hoje de Espanha. A segunda, mais conhecida sob o nome de Carta dos Judeus de Constantinopla, é um texto a dois momentos, na forma de uma epístola e respectiva resposta - num primeiro, surge a questão do que fazer em relação às políticas anti-judaicas ibéricas; num segundo, e em resposta clara ao anterior, é sugerido a estes judeus que se convertam ao Cristianismo, mas somente como forma de vingar a forma como andavam a ser tratados... há, por exemplo, na epístola um momento em que se diz, e parafraseamos apenas:
Se vos querem tirar as propriedades, façam dos vossos filhos advogados, para que tirem as deles. (...) Se vos querem tirar a vida, façam dos vossos filhos médicos, para que os matem a eles. [Ou, numa forma muito geral, a epístola convida a "Se vos querem fazer X, arranjem forma dos vossos filhos também o fazerem a eles".]
Ou seja, resumindo, os Judeus, esses futuros "cristãos novos" (como viriam a ser chamados por cá, após a sua conversão forçada), por muito que se convertessem à nova religião continuavam sempre sob suspeita, por se acreditar, entre alguns grupos, que era tudo só um grande truque para destruírem a Cristandade pelo seu interior... mas, para quem até se sentir assustado, o curioso é que ambas as cartas são completamente falsas, numa espécie de fake news com já umas boas centenas de anos, que acabaram por contribuir para muitos - mas injustificados - ataques aos crentes judaicos!
Os "Protocolos dos Sábios de Sião"
Mais algumas centenas de anos foram passando, até que surgiram os chamados Protocolos dos Sábios de Sião. Já cá falámos deles antes, mas é curioso que tenham nascido na Rússia (!), com o objectivo de dizer que existia uma grande conspiração judaica para controlar o mundo. Mas, mais uma vez e como discutido anteriormente, são as chamadas fake news, e já há muito teriam sido esquecidas não fosse o facto de proclamarem algo muito conveniente para algumas audiências, dando-lhes uma espécie de inimigo comum contra o qual se podem focar.
Hitler e o Ódio aos Judeus
Hoje, fala-se de Hitler e do seu plano para matar (quase) todos os Judeus como se fosse um momento horrendo da história mundial que nasceu num vácuo. E isso é muito conveniente, porque caso contrário implicaria discutir-se um antisemitismo que já existia há séculos - como já aqui vimos - e que foi sendo alimentado, aqui e ali, quase sempre com fake news.
Agora, se por um lado não seria de todo correcto isentá-lo de todas as culpas, ao mesmo tempo há que deixar claro que as acções de Adolf Hitler foram o resultado concreto de séculos de ataques e ódio contra os Judeus, sem que alguma vez parecesse existir uma grande preocupação com a necessidade de averiguar até que ponto eram verdade todas aquelas estranhas coisas que lhes iam sendo imputadas.
Porque são os Judeus odiados?
Para se explicar porque são os Judeus odiados imagine-se, a título de exemplo, que existe uma enorme zanga entre duas famílias. Já passou tanto tempo que nenhuma das duas se recorda do porquê da disputa, mas continuam a odiar-se sem cessar. Não vos parecerá isso completamente absurdo? No entanto, é mais ou menos isso que motiva o ódio aos Judeus na nossa sociedade ocidental... é uma história com séculos e séculos, que procurámos resumir acima de forma muito breve, mas que assenta quase exclusivamente em mentiras e em factos muito pouco credíveis, que dificilmente nos poderiam deixar de fazer rir não fosse o facto de terem, ao longo dos séculos, causado a morte de milhares de pessoas, que em muitos casos até só tinham como "culpa" o nome de uma religião a que se encontravam associados.
Escusado será dizer que não temos qualquer prova real de que exista uma conspiração judaica para controlar o mundo. Ainda o fomos perguntar a alguns amigos praticantes dessa religião, em tom de muito óbvia brincadeira, mas também eles se riram com o absurdo... até porque, infelizmente, já quase ninguém sabe de onde ela vem! Se tudo isso fosse exposto ao público, como tentámos fazer acima, depressa se nota o absurdo de toda a situação, porque estes ódios, seja contra os Judeus, contra os Ciganos, ou contra qualquer outro povo que seja, é quase sempre fundado em elementos tão ridículos que, ao serem colocados bem à vista, se tornam rísiveis...
Quase como conclusão, bastará pensar em tudo isto da seguinte forma - imagine-se que a comunicação social encontra, hoje em dia, um e-mail em que é dito que os adeptos do clube de futebol X planeavam matar todos os do clube Y. Vendo isto nas notícias, acreditariam automaticamente em toda a ideia, ou iriam averiguar a veracidade dos factos aí apresentados?
O ódio face aos Judeus é apoiado na primeira destas duas opções, sem que, num primeiro momento, alguém tenha averiguado a veracidade da infame carta (porque ela era muito conveniente para alguns...); sem que, num segundo momento, alguém a tenha questionado; e sem que, num terceiro instante e por acção dos séculos, as pessoas se tenham apercebido de que aquilo em que iam acreditando se fundava em provas muito fracas, verdadeiras fake news dos nossos dias... e quão absurdo é tudo isso?!
Não será já mais que horas de nos questionarmos melhor sobre o porquê de acreditamos em X, sob pena de continuarmos, todos nós, a ser enganados com coisas tão parvas como estas? Parece bem que sim...