Quem traiu Humberto Delgado?
Humberto Delgado foi assassinado a 13 de Fevereiro de 1965 na cidade de Olivença. Isso é um facto consumado, que até a Wikipedia informará qualquer leitor muito rapidamente, mas o que já menos saberão é o que se esconde por detrás desse acontecimento da política nacional. Por isso, para terminar este mês completamente dedicado a temas relacionados com Portugal, decidimos contar uma história um pouco mais pessoal e quase dos nossos dias.
Um dos nossos colegas mora numa casa próxima da de um antigo capitão de uma força de segurança nacional. Hoje já reformado há mais de uma dezena de anos, ele gostava de partilhar histórias de outros tempos e da sua carreira profissional. Uma delas ficou na memória do nosso colega, por razões que serão muito fáceis de compreender.
Um dado dia, esse capitão perguntou-lhe se ele sabia quem tinha morto Humberto Delgado. O nosso colega disse que não - história de Portugal certamente que não é o seu forte - e então o senhor continuou o que ia dizer, explicando que este antigo general foi assassinado em Olivença depois de [nome omitido por nós] o ter traído, divulgado por onde ele andava escondido e para onde se dirigia. Naturalmente que esta seria uma suspeita bastante perigosa, e então o nosso colega decidiu perguntar um pouco mais sobre isso. Assim, o idoso em questão continuou a conversa, explicando o porquê de isto ser pouco sabido - aparentemente, depois do 25 de Abril esse mesmo traidor teve acesso aos registos da PIDE, que identificavam a fonte dessa informação, e retirou de lá algumas das páginas que lhe diziam respeito. Mas tudo isto ainda se torna mais interessante - visto que esse acontecimento teve lugar na presença deste capitão, e que lhe foi dito para ele destruir esses documentos, ele... se por esquecimento, por curiosidade, por vontade própria, ou por algo menos fácil de compreender, limitou-se a guardá-los. E guardou-os. E, na verdade, pareciam atestar o que este idoso afirmou em conversa.
Quando o nosso colega nos contou isto, ficámos curiosos. Seria mesmo verdade, que uma reputada figura da política nacional tivesse traído Humberto Delgado? Muito do património documental da PIDE já está digitalizado. Fomos então procurar esses documentos e, segundo o nosso colega, eram formalmente parecidos com o que ele viu à sua frente. Depois, procurámos o chamado "Registo Geral de Presos" e descobrimos que cada preso tinha um número de identificação pessoal e do(s) seu(s) processo(s). A título de exemplo, para quem ainda não conhecer estas coisas e tiver essa grande curiosidade, é algo como o mostrado abaixo, com o número de preso e do processo assinalados aqui a verde; as secções a vermelho foram censuradas por nós (sim, porque queiramos ou não, hoje ainda existe censura no Sapo Blogs, e não queremos dar-lhes ainda mais razões para chatices), apenas porque é possível que esta pessoa anónima, aqui escolhida completamente ao calhas para este exemplo, ou até alguns dos seus descendentes, ainda estejam vivos:
Continuando, na ficha desse suposto traidor de Humberto Delgado - que também está na Torre do Tombo e digitalizada - não existia apenas um número de registo (como na parte inferior da imagem acima), mas vários. Não conseguimos verificar a totalidade do seu conteúdo - infelizmente, as digitalizações a que tivemos acesso online dizem "informação não disponível" ou "Informação não tratada arquivisticamente" demasiadas vezes - mas um desses números parecia constar no documento que o nosso colega viu. Ou seja, ou ele era parte de um original bem real, ou foi falsificado por alguém que tinha tido um acesso directo a este tipo de informação antes da sua disponibilização ao público em geral, i.e. provavelmente antes do ano de 1994.
Acredite-se, nesse sentido, que era um documento completamente real. Afinal, quem traiu Humberto Delgado? Ou, melhor dizendo, a quem é que este documento atribuía essa traição? Discutimos bastante até que ponto deveríamos divulgar essa informação... e se até o podíamos dizer aqui, seria uma resposta um tanto ou quanto chocante, e que também nada acrescentaria ao panorama político, cultural e histórico de Portugal. A pessoa em questão, que até já faleceu, é uma de aquelas com opiniões muito polarizantes em relação a ele, que fizesse o que fizesse continuaria a ser odiada por uns e muito elogiada por outros. Por isso, de nada se adiantaria revelar essa informação - os primeiros diriam que é verdade, que sempre o souberam; enquanto que os segundos iriam exigir todas as provas do universo (e até algumas que só aos deuses pertencem), e nem elas seriam capazes de os convencer; e tudo ficaria na mesma.
Para terminar, o que aconteceu ao documento aqui em questão? Será que o podemos mostrar por cá, para que se compreenda melhor o que aconteceu ao General Humberto Delgado? Infelizmente não conseguimos fazê-lo, até porque não temos qualquer cópia - segundo nos foi dito, há já alguns meses o idoso em questão adoeceu e acabou por ser levado para um lar, por razões de saúde. Alguns dias depois os seus filhos deitaram muita papelada e livros fora, pelo que é possível que esse documento estivesse entre muitas dessas coisas que foram deitadas fora. Se sim ou se não, não sabemos de nada disso. Resta a memória do que foi dito e mostrado ao nosso colega, a acreditar-se que a documentação era mesmo verdadeira.