Santa Teresa de Ourém e algumas estranhas lendas
Hoje falamos sobre Santa Teresa de Ourém, não tanto para recordar toda a sua história, como é comum neste espaço e como faremos mais abaixo, mas para relatar uma lenda que lhe está associada e que tem um elemento que é muitíssimo curioso.
Conta-se que a mulher que ficaria conhecida como Santa Teresa de Ourém era, originalmente, ama de um prior muito ávaro. Então, um dia, ao ver um pobre com muito frio, deu-lhe um dos fatos velhos do prior. Este último, quando soube o que ela tinha feito, zangou-se bastante e pediu o fato que lhe pertencia de volta. Triste, Santa Teresa pediu a Deus que ajudasse em toda esta situação, e então o traje multiplicou-se em dois, sendo um devolvido ao prior, enquanto que o outro ficou para o pobre homem que muito necessitava dele.
Esta breve lenda poderá, a uma primeira vista, não ter nada de especial, não fosse o facto de surgir um breve comentário à história numa das fontes que consultámos. Nela é então dito que o traje oferecido ao pobre era completamente igual ao do prior, ou seja, que o pobre homem recebeu, por milagre de Deus, um traje tão velho como aquele que o seu possuidor original já tinha usado durante muitos anos. Porquê?! Quer dizer, se o traje ia ser miraculosamente multiplicado, não faria mais sentido que o pobre pudesse receber um traje novo, em vez de um com os defeitos de anos de utilização? Enfim, mistérios divinos...
Deixando então de lado esta estranha lenda, volte-se ao tema da própria Santa Teresa de Ourém. Como pode ser visto na imagem, ela é vulgarmente representada com uma Bíblia na mão, por razões quase óbvias (visto que pregou o evangelho), mas também com um estranho instrumento. Primeiro pensámos que seria uma pá do pão, visto que algumas histórias dizem que ela também foi padeira (e um dia, tendo-se esquecido de pôr a massa no forno, os anjos fizeram-no por ela), mas na verdade é uma gazua antiga ou uma espécie de fechadura. Existem pelo menos três explicações para esse estranho elemento.
Uma primeira explicação diz que se trata de uma gazua, com a qual Santa Teresa de Ourém se tornava capaz de visitar a prisão local durante a noite, em que ajudava os pobres, dava os seus pães a quem tinha fome, curava quem estava doente, etc. Uma segunda, completamente anexa a esta, diz que a santa entrava de facto na prisão, sim, mas fazia-o por milagre, sendo essa sua gazua puramente metafórica.
Quanto à possível fechadura, ela é explicada dizendo-se que numa dada altura alguns ladrões tentaram assaltar a casa em que esta mulher vivia. Por milagre, ficaram com as suas mãos presas na fechadura, incapazes de se moverem ou de escaparem, até que a santa lá os perdoou e pediu a Deus que os libertasse.
Parecem ser muitas outras as lendas associadas a esta Santa Teresa de Ourém, das quais apenas recontámos aqui algumas, mas aquele pormenor delicioso de um pobre ter recebido miraculosamente uma veste velha pareceu-nos muito digno de nota, já que normalmente os relatos hagiográficos não tendem a apresentar elementos como esses, no sentido de poderem indicar, queiramos ou não, algum carácter menos perfeito do Deus Cristão... ou, em alternativa, esses elementos foram é removidos ao longo dos séculos, por terem sido motivo de alguma chacota popular, como histórias como a de Santa Iria nos mostram!