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Mitologia em Português

21 de Março, 2024

"Se a montanha não vai a Maomé, Maomé vai à Montanha" - origem e significado!

Se a montanha não vai a Maomé, Maomé vai à Montanha é um daqueles provérbios bastante utilizados na língua portuguesa mas em cuja origem pouco se pensa. Isto porque, se o seu significado até é relativamente fácil de discernir - por exemplo, é mais fácil fazer o possível do que esperar o impossível - as suas palavras também sugerem uma referência ao profeta Maomé, que não é, de todo, uma figura muito conhecida na cultura tradicional portuguesa. E, na verdade, se o nosso país tem dezenas e dezenas de lendas sobre Nossa Senhora, e outras tantas sobre outras figuras bíblicas do Antigo Testamento (como Túbal), de memória nem conseguimos recordar-nos de uma qualquer lenda famosa em Portugal que inclua esta outra figura religiosa... o que pode gerar uma grande questão relativamente à origem de todo o provérbio!

"Se a montanha não vai a Maomé, Maomé vai à Montanha" - origem e significado!

Primeiro, tentámos localizar alguma possível história religiosa que associasse Maomé a uma montanha, já que o próprio provérbio sugere, de forma muito tácita, um possível milagre, mas nada encontrámos. Depois, apurámos que em alguns países ocidentais, como a Turquia, o provérbio também existe mas sem a referência religiosa - e, tratando-se esse de um país mais ligado ao Islão, seria natural encontrar-se essa ligação por lá, se ela viesse de alguma lenda famosa entre os praticantes dessa religião. Por isso, qual a verdadeira origem da expressão Se a montanha não vai a Maomé, Maomé vai à Montanha?

 

Após muita procura, encontrámos aquela que parece ser a versão mais antiga deste provérbio preservada por escrito. Ela aparece nos Ensaios de Francis Bacon, publicados em finais do século XVI e inícios do XVII, com as palavras que aqui traduzimos para Português:

Verás muitas vezes um indivíduo destemido fazer o milagre de Maomé. Maomé fez o povo acreditar que iria chamar uma montanha até si e, do topo dela, oferecer as suas preces aos observadores da sua lei. O povo reuniu-se. Maomé chamou a montanha para vir até si, uma e outra vez, e quando a montanha permaneceu imóvel, ele não se mostrou abalado, mas disse "Se a montanha não vem até Maomé, Maomé irá até à montanha". Assim, estes homens, quando prometeram grandes feitos e falharam vergonhosamente, ainda assim (se possuem a perfeição da audácia) simplesmente desvalorizam o assunto, dão uma volta e não fazem mais alarido.

O que é curioso em toda esta história é que o autor sentiu a necessidade de a contar por completo, em vez de apenas aludir a ela, como era bastante habitual fazer-se no seu tempo, em que os autores cultos escreviam para uma audiência culta, quase sempre igualmente informada dos autores prévios dos temas que iam ler. Como tal, essa necessidade de contar toda a história, seguida até pela explicação de um seu significado, dá a entender que a expressão não era (ainda) famosa nesse século em que primeiro nos aparece por escrito. Dado o contexto na obra, bem como o estabelecido por obras semelhantes produzidas nos séculos anteriores, fica-se com a ideia de que esta foi uma história composta por Francis Bacon para dar alguma cor à sua composição filosófica e ilustrar um ponto que queria apresentar aos leitores.

 

Mas porquê a utilização do nome de Maomé, e não de uma qualquer figura religiosa cristã? Certamente porque, como é fácil ver no texto acima, na breve história a personagem principal promete aos seus fiéis um milagre mas acaba por não o conseguir concretizar. Associar toda a ideia a um santo do Cristianismo seria um tanto ou quanto herético, mas fazê-lo a um inimigo da fé cristã nada tinha de errado, até pelo contrário, já que contribuiria para o ridicularizar como um falso profeta!

 

Como a agora-famosa expressão, ou esta história da presumível autoria de Francis Bacon, entraram na nossa cultura popular portuguesa é muito mais difícil de se saber. Visto que também existe em muitos outros países europeus, é provável que tenha sido popularizada através de um sentimento anti-islâmico que nasceu na Idade Média e se foi prolongando por vários séculos - pense-se que, considerando o próprio contexto da frase, numa cultura islâmica ela dificilmente poderia ser utilizada com alguma conotação positiva. Mas, pelo menos, assim se pode explicar a origem e significado da expressão Se a montanha não vai a Maomé, Maomé vai à Montanha...

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