"Sobre o erro das religiões profanas", de Júlio Materno
De uma forma sucinta, eu poderia apenas dizer que esta é mais uma daquelas obras em que o título diz precisamente o tema (i.e. é Sobre o erro das religiões profanas), mas aqui isto também seria uma visão demasiado redutora do interesse do livro de Materno. Dedicado aos imperadores Constâncio II e Constante, que menciona por diversas vezes durante o texto, Materno pretendia com esta obra levar a que esses imperadores tomassem medidas adicionais contra as religiões pagãs (ou, como ele o indica, profanas).
A minha pequena dissertação sobre a obra poderia ficar por aí, como já sucedeu no passado, mas o interessante, neste caso específico, passa por alguns dos argumentos do autor, que algumas vezes comparam elementos do próprio Cristianismo com o das antigas religiões, não só da Grega e da Latina, mas também de outras civilizações. Vejamos alguns exemplos de "erros" que este autor alega:
- Os deuses como mortais divinizados - são dadas, como é frequente neste tipo de obras, o relato de várias divindades que seriam pouco mais que mortais divinizados. Se isso sucede no caso de Baco, Perséfone, e outras divindades usuais, aqui o autor chega até a aplicar esse critério às figuras de Osíris e Átis.
- As fábulas pagãs como imorais - outra crítica frequente nos apologistas cristãos passa pela forma como as "fábulas" do Paganismo ensinavam a imoralidade às pessoas, como no caso das violações de Zeus, dos roubos de gado de Hércules, e assim por diante.
- Multiplicidade de Palas, e o Paládio - quem já tenha lido a "Ilíada" certamente já ouviu falar do Paládio. Porém, a que Palas, em específico, se refere esse importante ícone? O autor refere pelo menos cinco Palas diferentes, antes de argumentar qual delas (provavelmente) era a do ícone que protegeu Tróia e Roma.
- Explicação dos nomes dos deuses - o autor empreende uma análise etimológica dos nomes de vários deuses, de forma a provar que alguns deles nada têm de divino.
- Serpente - existe, neste ponto específico, um contraste interessante entre as antigas religiões, algumas das quais veneravam serpentes, e o Cristianismo, onde ela pode ser vista como uma das principais antagonistas. Parece-me, então, que o autor usa essa coincidência para denegrir a primeira a das religiões face à segunda.
- Diabo, enquanto "copiador" dos mistérios cristãos - Este argumento, também muito conhecido de outros autores, mostra que existe alguma coincidência entre os rituais pagãos e aqueles do Cristianismo, mas que essa coincidência não é tanto uma razão por detrás da igualdade salvífica de ambas, mas um artifício do Diabo para afastar as pessoas da verdadeira religião e mantê-las no erro que tanto o beneficiava. Entre outros exemplos destas similaridades, Materno menciona a crucificação de Jesus Cristo como levando à salvação (por oposição à crucificação na "árvore do diabo", que levaria ao seu fogo) e a celebração da Páscoa com o sacrifício de um cordeiro (por oposição ao sacrifícios pagãos, que não teriam qualquer finalidade positiva), entre outros.
Agora, se são muitos os autores cristãos que fizeram obras similares a esta, o que tem a obra de Júlio Materno de especial? Acima de tudo, parece-me que o seu interesse reside no carácter sintético dos argumentos, já que diz em poucas páginas o que muitos outros disseram em vários livros. Claro que existem, como nas outras obras, várias apologias do Deus cristão, mas aqui são mais breves, podendo o leitor perder menos tempo com elas e, portanto, mais tempo a ler (e tentar perceber) os argumentos que este autor faz sobre os erros das outras religiões da sua época.