Sobre o esquecido Frei João da Barroca
Frei João da Barroca foi uma de aquelas figuras notáveis da história portuguesa que, feliz ou infelizmente, o tempo foi apagando. Quase nada se sabe sobre ele nos nossos dias, mas aparece mencionado em fontes literárias do século XIV como um famoso "emparedado" da cidade de Lisboa, juntamente com Margarida Annes e Maria Esteves... e talvez seja importante começar a história de hoje por esse ponto - o que é um "emparedado"?
Talvez a ideia pareça completamente louca nos nossos dias de hoje, mas na Idade Média existiam pessoas que, movidas pelo seu fervor religioso, se decidiam encerrar no interior de um qualquer local e nunca mais sair (e nem poderiam tentar, porque em muitos casos até lhes era construída uma parede em redor, lembrando o triste Ugolino), dedicando toda a sua vida a Deus. Depois, numa espécie de Big Brother - o concurso, esclareça-se - de outros tempos, quem passasse por lá dava-lhes, provavelmente por admiração face a tão estranha ideia - comida e/ou bebida por intermédio de uma pequena abertura, como a da imagem acima, que jamais possibilitava a saída do local, mas somente a entrada do alimento necessário à vida humana.
Sabemos então que em meados do século XIV existiam pelo menos três pessoas assim encerradas em Lisboa, mas já pouco se parece saber sobre a vida de cada uma delas, com excepção de que tinham a sua fama na época. E, de entre essas três, cujos nomes já mencionámos acima, contava-se então este Frei João da Barroca - "barroca", talvez por viver fechado numa espécie de cova, ou porque a zona era então conhecida como "Barrocal"? - que se parece ter tornado a mais famosa. Sobre ele, o que sabemos é quase um completo misto de lenda e realidade, vago como o nevoeiro - supostamente nasceu em Castela, foi parar a Jerusalém, viveu emparedado por lá, até que uma visão divina o convidou a meter-se num barco (desconhece-se como saiu desse primeiro emparedamento...). Chegado a Lisboa, emparedou-se novamente - num local próximo do agora-desaparecido "Convento de São Francisco da Cidade" - e com os anos foi ganhando fama de santo.
E tudo isto pode parecer muito fascinante a alguns leitores, mas que importância tem então este Frei João da Barroca na história de Portugal? Quando o homem que se viria a tornar o rei João I de Portugal matou o Conde Andeiro, em finais de 1383, o futuro-monarca tinha algumas dúvidas sobre o que fazer, em particular se deveria manter-se no país ou fugir para o estrangeiro. Conta-se então que foi falar com este famoso "emparedado" e que foi ele que o convenceu a manter-se no país, profetizando-lhe um bom futuro com ideias como estas:
Não só ele seria regedor, e senhor deste reino, e seus filhos depois de sua morte, mas que havia também de ser terror da África, conquistando a cidade de Ceuta, apontando-lhe o modo e traça com que havia de render o castelo de Lisboa, que mais dificultava essa empresa.
Portanto, sem as acções desta figura - entre outras da mesma época, como aquele Nuno Álvares Pereira da lendária espada e de Aljubarrota - é certamente possível que o nosso país se tivesse tornado uma província de Espanha...