Sobre o "Livro do Infante D. Pedro de Portugal"
Há alguns dias que nos deparámos com este Livro do Infante D. Pedro de Portugal. A figura histórica que lhe deu título é Pedro de Portugal, filho do rei Dom João I (e futuro duque de Coimbra), que ficou historicamente conhecido pelas suas muitas viagens, ou proverbiais sete partidas. E é precisamente delas que fala este livro - conta-nos como este jovem, acompanhado por doze companheiros (fazendo o número de 13, escolhido mesmo em virtude de Cristo e os seus doze apóstolos), viajou pelas mais diversas terras e viu todo um conjunto de monumentos e de milagres, acabando a sua viagem pouco depois de chegar ao fabuloso reino cristão de Preste João das Índias.
É uma obra sucinta - pouco mais de 30 páginas, na edição a que lhe tivemos acesso, de que mostramos a capa acima - e em que a ficção e a realidade se entrecruzam repetidamente, com os viajantes a contarem quase só o que viram, sem que alguma vez o descrevam verdadeiramente... o que levanta uma boa questão - terão sido estas viagens mesmo reais, ou pura imaginação? Sabemos que este Dom Pedro existiu, e sabemos que viajou com companheiros, mas será que um deles, um tal Gomes de Santo Estêvão, escreveu efectivamente este Livro do Infante D. Pedro de Portugal com base nas experiências por que passou? Dificilmente isso terá acontecido, não só porque a obra contém diversas impossibilidades (e.g. numa dada altura até é oferecida aos heróis carne de Unicórnio, e são mencionados os poderes milagrosos do seu corno), como também faz passar os seus heróis por terras puramente míticas, como a dos Pigmeus e Grous, ou o grande reino cristão do Oriente que se pensava ter sido fundado por São Tomé.
Assim, esta é, na verdade, uma obra de literatura de viagem, numa mesma tradição que também nos trouxe a História de Alexandre (de Pseudo-Calístenes) e as viagens de João de Mandeville (entre muitas outras), caracterizadas pela inclusão de elementos fantásticos em viagens que se supunham reais. Mas, na nossa opinião, é também de uma qualidade muito inferior à oferecida por essas outras suas companheiras. Mereceu ser mencionada aqui por ter nascido num contexto nacional e com heróis nacionais, tendo até sido relativamente popular por volta dos séculos XVII e XVIII, mas não é, admita-se, uma obra muito interessante para um leitor comum dos nossos dias, na medida em que a trama é muito repetida, avança demasiado rápido, e pouco nos diz sobre os locais que vão sendo "visitados".