Chave de Salomão, toda a verdade
A Chave de Salomão, também conhecida como a Clavícula de Salomão, é outro daqueles famosos livros sobre magia negra, de que o Livro de São Cipriano é provavelmente o exemplo mais eminente na cultura portuguesa e brasileira. É até provável que já tenham ouvido falar de ambos, mesmo que até tenham muito pouco interesse nestes temas, mas... será esta obra verdade?
Desta vez, a resposta não pode ser mais do que um ressonante e completamente indubitável NÃO. Isto porque, mesmo que queiram acreditar que foi o famoso Rei Salomão a escrever toda a obra - como o seu prefácio dá a entender - ora a obra refere ideias que só nasceram na Idade Média (e.g. conceitos como os dos Gnomos, Silfos, Salamandras e Ondinas), ora diz que um dado procedimento mágico deve ser feito no Dia de São João Baptista, ora emprega Latim e Hebraico com múltiplas falhas, e outros tantos problemas que seriam difíceis de resumir nestas linhas. Portanto, não, não foi escrito por Salomão, e será, no mínimo dos mínimos, uma produção medieval posterior a Pedro de Abano (século XIII).
Mas de que fala esta Chave de Salomão? Essencialmente, é uma obra literária, uma espécie de grimório, que ensina os leitores a usarem pentáculos como o representado acima para fazerem as suas magias. E se, à primeira vista, isto poderá até parecer muito simples, existe toda uma ciência por detrás do processo. Não dizemos que seja uma ciência real, claro está, mas se for lido com um espírito crítico acaba por ser uma obra interessante para a interpretação de recursos semelhantes. Vejamos um pequeno exemplo mais concreto:
Este desenho, em particular, deveria ser usado por todos aqueles que quisessem ter uma relação amorosa secreta com alguém. O que a Chave de Salomão explica é, em parte, o sentido dos desenhos que podem ser encontrados dentro do círculo interior, que depois são complementados, entre os dois círculos, com um versículo retirado da Bíblia que pareça relevante para a situação - aqui foi escolhido "Deus/Elohim disse: crescei, multiplicai-vos e enchei a terra", provavelmente numa espécie de ironia satírica - i.e. se é para se cumprir este preceito divino, que se tenha sexo mesmo que seja secretamente!
Mas o conteúdo de toda esta obra não é apenas este. Também preserva, aqui e ali, feitiços mágicos mais simples. Por exemplo, suponha-se que têm um inimigo e querem, vá-se lá saber porquê, que ele tenha muitos pesadelos. Devem - segundo esta obra - obter o cérebro de um gato, misturá-lo bem com o sangue de um morcego e embrulhar essa substância num papel em que devem escrever, com o mesmo sangue do morcego, uma oração de duas linhas em Latim.
Ou, se preferirem um exemplo menos violento, e quem necessita de conhecimentos de Latim, para ouvirem uma música bonita deveriam reproduzir um determinado selo (como os já mostrados acima) e recitar as seguintes palavras (sem um sentido real, se alguém tiver curiosidade sobre isso) - Ador, Elepoth, Cheluth, Migareth, Cubot, Sylma, Sirath, Fernechel, Rottomaron, Surcollen, Agra, Seron.
Mas será que alguma destas coisas funciona mesmo? Na imagem acima podem ver mais um exemplo de um pentáculo provindo desta fonte literária. É fácil constatar que é muito diferente dos dois representados acima. E porquê, poderiam perguntar? Pura e simplesmente porque foi retirado de uma edição diferente da consultada para as duas imagens anteriores, apesar de, supostamente, ter o mesmo objectivo mágico que a segunda imagem acima, e nem sequer apresentar qualquer citação bíblica no seu interior (como, recorde-se, o autor da obra dizia que se deveria fazer).
São problemas como estes, bem como as falhas já apresentadas acima, que tornam muito difícil que se possa acreditar nos conteúdos desta obra, a Chave de Salomão. Se a ciência que prega fosse verdadeira, seria de supor que respeitasse um conjunto de regras, mas elas são aqui, numa mesmíssima obra, estabelecidas e constantemente quebradas. Seria como se a Matemática pregasse que ás vezes 2+2=4, e outras nos dissesse que 2+2=5-1=3, o que faria muito pouco sentido. Portanto, se até existem obras fiéis sobre estes temas, esta - nas suas muitas edições distintas, deixe-se isso claro - não merece qualquer crédito real, excepto por nos permitir interpretar, de uma forma imperfeita, vários dos desenhos que sejam semelhantes aos já apresentados acima.