"Tratado de las Supersticiones y Costumbres Gentilicias", de Hernando Ruiz de Alarcón
A obra de hoje, Tratado de las supersticiones y costumbres gentilicias que hoy viven entre los indios naturales de esta Nueva España, de Hernando Ruiz de Alarcón, é única. Foi escrita na Nova Espanha, actual México, do século XVII, numa tentativa de um religioso de combater - muito mais do que catalogar, como hoje poderíamos pensar - as muitas superstições que continuava a ver após 100 anos de religião católica no país.
Nesse seguimento, este Tratado de las supersticiones y costumbres gentilicias pode ser dividido em duas grandes sequências - uma primeira, em que são contadas algumas pequenas histórias que mostram as crenças dos povos locais; e uma segunda, em que o autor apresenta mais de duas dezenas de preces locais, juntamente com o contexto em que eram utilizadas. Em ambos os casos, essas informações são importantes, hoje, porque caso não tivessem sido preservadas nesta obra, como em algumas outras, se teriam perdido completamente, já que outros religiosos, contrariamente a este Hernando Ruiz de Alarcón, parecem ter pensado que era pura e simplesmente mais importante pregar a religião cristã do que tentar preservar as culturas locais.
Isto não quer dizer, porém, que o autor apoiava essas mesmas culturas. Afirmá-lo seria falso... mas o que ele faz nesta obra é, até certo ponto, contar parte dessas tradições locais para tornar mais fácil aos seus correligiosos saber o que tinham de combater.
Numa dada altura, por exemplo, conta algo de muito curioso, quando revela a existência de algo verdadeiramente inesperado nessas terras americanas - circunstâncias em que um animal era ferido num dado local do corpo, ou morto, e em que depois se encontrava alguém que, por influência mágica do próprio animal, sofria o mesmo destino. Pode parecer a mais pura magia, mas o autor explica-o com base em influências demoníacas, que pela ausência de uma verdadeira fé cristã deixava o Diabo fazer essa ligação cúltica entre seres humanos e alguns animais... e, como tal, era necessário baptizar o maior número de pessoas, bem como fazê-las acreditar numa prática constante e fiel dos sacramentos cristãos.
Para dar também um exemplo da que poderíamos considerar a segunda parte da obra, já mencionada acima, quando os locais tinham dores nas costas, normalmente diziam as seguintes palavras e ficavam curados:
Tlacuel, xoxohuic coatl, coçahuic coatl, tlatlauic coatl, iztac coatl. Ye huitz iztacquauhtzotzopitzal; nohuian nemiz: in tetl itic, in quahuitl itic; auh in aquin ipan àciz, quiquaz, quipopoloz.
Será que funciona? Foi difícil convencer alguém a tentá-lo, mas lá conseguimos fazê-lo, e... na verdade, a pessoa ficou sem quaisquer dores nas costas, pelo que quem ler estas linhas nada perderá em tentar também (se não temer uma potencial vingança do deus cristão - faça-se essa ressalva, não vá o proverbial diabo tecê-las).
Portanto, este Tratado de las supersticiones y costumbres gentilicias que hoy viven entre los indios naturales de esta Nueva España, de Hernando Ruiz de Alarcón, é uma obra importante por preservar parte da cultura mexicana do século XVII. Talvez não seja um tema que interesse à maior parte dos leitores dos nossos dias, mas - a César o que é de César, dê-se-lhe o devido crédito - mesmo que indirectamente, o livro contribuiu para que algumas crenças da época não se perdessem, e é curioso constatar-se que mesmo nessa altura figuras como Quetzalcoatl continuavam no imaginário popular.