Um Segredo da Ermida de São Saturnino
A Serra de Sintra esconde muitos segredos. Já cá falámos de alguns, como a Anta de Adrenunes ou o Rio da Mula, mas também a Ermida de São Saturnino, muito próxima do Santuário da Peninha, tem os seus. Hoje é quase só um espaço abandonado, como a fotografia interactiva abaixo nos permite constatar, mas a sua importância parece ter variado ao longo dos séculos.
Assim, quem procurar esta Ermida de São Saturnino na internet encontrará repetidamente dois grandes factos sobre ela - foi fundada por Dom Pedro Pais no tempo de Afonso Henriques, i.e. no século XII; e quando uma imagem misteriosa foi encontrada numa gruta próxima, foi levada para este local por um padre, mas depois voltou, miraculosamente, para a mesma gruta, até que foi construído um novo santuário acima da gruta, aquele que agora toma o nome de "Peninha". Quem procurar mais, saberá depois que o local foi reconstruído algumas vezes, foi usado como estábulo, já teve um pequeno painel de azulejos no local, e outras coisas... Mas é de esse painel de azulejos que nasce o nosso tema de hoje!
Estes azulejos datam de 1636, como é fácil ler na imagem, mas mostram o que parece ser um livro, um báculo e um chapéu bispal. Porquê esta iconografia? Se o local está associado a São Saturnino, outrora conhecido entre o povo como "São Sandorninho" ou "Sadurninho", e existem pelo menos seis santos com esse nome, por estes elementos podemos constar que em inícios do século XVII se acreditava que o santo associado à ermida tinha sido bispo, e só parece existir um que corresponda a essa descrição - Saturnino de Tolosa, o primeiro bispo da cidade (francesa) de Toulouse, mártir em meados do século III, e provavelmente até a mais famosa de todas as figuras que partilham este nome.
Nesse seguimento, se as muitas lendas até dizem que esse santo pregou na Península Ibérica, desconhecemos qualquer história que o una à zona de Sintra. O que levanta uma questão - porquê dar este nome ao local fundado no século XII, o de Ermida de São Saturnino, quando muitos outros locais da mesma altura - por exemplo, o Mosteiro de São Vicente de Fora ou Santa Maria de Carquere - têm (quase) sempre uma lenda associada? Será apenas porque o nome deste santo foi, durante séculos e por razões agora difíceis de explicar, popular na Península Ibérica? Ou será que em tempos mais antigos até existiu neste mesmo local um culto romano a Saturno, cujo nome veio, posteriormente, a confundir-se com o do santo?
Sabe-se hoje que os Romanos tendiam a honrar frequentemente esse deus no topo de montanhas; por isso, se foi encontrado, em outros tempos, algum antigo vestígio com o nome do deus no local - e, deixe-se claro, não temos agora qualquer prova real disso - este poderá ter sido confundido com o nome do então-famoso santo, levando à falsa ideia de que possa ter sido ele, e não o deus dos Romanos com um nome muito semelhante, a figura outrora honrada no local.
É só uma teoria, admita-se, esta por detrás de uma possível origem do nome da Ermida de São Saturnino, mas pode explicar o porquê da existência de um local dedicado ao santo numa área que, historicamente, não lhe tem qualquer tradição ou milagre associado.