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Mitologia em Português

23 de Outubro, 2020

A verdadeira história da Bela e o Monstro

Quando pensamos numa verdadeira história da Bela e o Monstro, hoje tendemos a pensar na versão da Disney, que se baseia num conto de Jeanne-Marie Leprince de Beaumont datado de 1756. Contudo, essa agora-famosa versão também é, por sua vez, uma adaptação de um outro conto, escrito por Gabrielle-Suzanne de Villeneuve na sua obra La Jeune Américaine ou les Contes marins (de 1740), que na verdade é a primeira versão literária de toda esta história (não temos provas concretas de que se tenha baseado em fontes orais). E é sobre esta trama original que hoje escrevemos estas linhas, porque as suas páginas são fascinantes.

Verdadeira história da Bela e o Monstro

A primeira metade da obra é semelhante à história como a temos hoje, salvo uma excepção muito significativa. Enquanto vive no palácio do Monstro, a Bela (é um criptónimo, o seu nome verdadeiro nunca é revelado) tem muito prazer nas diversões que vai encontrando e começa a ter uns estranhos sonhos em que vê um homem muito belo, por quem depressa se apaixona loucamente. E então, vê-se presa numa espécie de triângulo amoroso, em que não sabe se deverá amar essa figura misteriosa ou o Monstro - ou seja, trocando por míudos, deverá ela amar um homem lindíssimo (mas inacessível), ou uma figura horrenda mas disposta a fazer tudo por ela? O texto, aquando da altura em que a heroína fala com o seu próprio pai sobre isto, é muito claro na resposta que tem para nos oferecer - "a comparação que [Bela] fez entre os dois admiradores jamais poderia ser favorável ao Monstro".

Mas depois, à medida que a história se aproxima do seu pináculo, o pai da heroína fá-la pensar que um pássaro na mão é melhor que dois a voar e a Bela lá decide casar com o Monstro. E fá-lo não porque tenha aprendido a amá-lo de alguma forma, mas porque - e tenha-se isto bem em atenção - face à perspectiva de ter um amante que só pode ver nos seus sonhos, lhe parece mais apropriado ficar com uma criatura que, apesar de "repugnante" (são palavras da heroína na própria obra!), lhe dava tudo o que ela quisesse. E então, vão casar e a Bela depressa tem uma enorme surpresa - afinal de contas, o misterioso homem com quem ela sonhava era na verdade o Monstro, que tinha sido enfeitiçado por uma fada!

 

Já todos conhecem essa parte da história, mas o que o texto de Gabrielle-Suzanne de Villeneuve tem de particularmente interessante é de não acabar aqui. Na verdade, ainda vai a metade! E continua a história, depois, revelando não só as razões pelas quais o Príncipe (que nunca recebe outro nome senão este...) foi transformado em Monstro, mas contando-nos também uma espécie de prequela de toda a trama, em que é revelado todo o passado do pai de Bela, destinando-se a explicar como um príncipe podia casar com uma plebeia. E, sem querermos estragar a enorme surpresa, são duas histórias que se entrecruzam e que, muito inesperadamente, talvez até sejam mais fascinantes do que a própria história da Bela e o Monstro que já bem conhecemos - por isso, para quem tiver essa curiosidade, fica o convite para que leia toda a história original, em tradução inglesa, aqui.

A Bela a sorrir por um Monstro bem rico...

Todavia, para quem não quiser (mesmo) ir ler essa história, ainda podemos, a título de exemplo, mostrar outra diferença muito significativa entre as duas versões. Na da Disney, como na de Jeanne-Marie Leprince de Beaumont, a transformação do Monstro para Príncipe é motivada pelo "amor verdadeiro [de uma virgem]". Porém, nesta verdadeira história da Bela e o Monstro, ela tem lugar quando a Bela, tendo de escolher entre um homem bonito idealizado ou um ser horrendo que fazia tudo por ela, optou pelo segundo, ensinando ao seu futuro marido uma lição muito preciosa (que aqui até poderá parecer estranha, excepto para aqueles que tenham lido a segunda metade da obra).

Ou seja, se a moral da história original era algo como "Mulheres, casem com um homem que faça tudo por vocês, por mais horrendo que ele vos pareça", ela foi deturpada nas várias versões posteriores, levando-nos a acreditar numa (falsa) moral de que o aspecto de alguém nada importa face ao amor verdadeiro. E essa lição não constava no original; esta não era, originalmente, uma questão de amor, mas sim de o Monstro estar disponível e a Bela querer para si um parceiro capaz de lhe dar tudo o que ela quisesse - uma verdadeira gold digger, que rapidamente deixaria este parceiro se tivesse conseguido encontrar o belíssimo homem que aparecia nos seus sonhos, como a própria história nos deixa muito claro. E, queiramos ou não, talvez essa moral da verdadeira história da Bela e o Monstro até fosse muito mais realista e apropriada para os nossos dias de hoje, em detrimento de toda aquela falsa ideia de que o aspecto físico nada importa nas questões amorosas...

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