A estranha profecia de Nongqawuse
A história de hoje, tristemente real, é a de Nongqawuse, nascida na África do Sul por volta do ano de 1841. É uma história bastante famosa localmente - para a escrita destas linhas até encontrámos um livro de mais de 500 páginas sobre todos os aspectos deste episódio histórico - mas que em outros países, talvez com a excepção do Reino Unido, raramente se ouve. Sendo assim, decidimos hoje dedicar-lhe estas linhas, não tanto de um ponto de vista histórico (fazê-lo implicaria escrever demasiado sobre temas históricos, e este ainda é um espaço de mitos e lendas...), mas com referência ao cerne da história da menina-mulher que deu título a estas linhas.
Conforme já referido acima, Nongqawuse nasceu na África do Sul por volta do ano de 1841. Os pais dela morreram cedo, e então foi criada por um tio com algum prestígio na sociedade local, quanto mais não seja pela sua formação cristã. Depois, por volta dos seus 15 anos de idade, enquanto trabalhava numas culturas agrícolas, a jovem supostamente viu os espíritos dos seus antecessores, e estes comunicaram-lhe uma estranha profecia. Ela, e todo o seu povo, os Xhosa, ultrapassariam uma grande doença pela qual o seu gado passava; os seus antepassados voltariam ao mundo dos vivos; e a sua guerra contra os "Brancos" seria completamente ganha; se todos eles destruíssem as suas próprias culturas agrícolas e todo o seu gado!
Para qualquer pessoa que esteja fora da situação, e ainda mais numa cultura ocidental como a nossa, a ideia é pura e simplesmente parva. Sim, o gado até andava a sofrer de alguns problemas de saúde trazidos do Ocidente, mas exterminá-lo por completo e negligenciar a agricultura, levaria, como é óbvio, à fome de todo um povo. Ainda assim, um número significativo de pessoas parecem ter aceite e acreditado na profecia... até que, ás tantas, quando surgiu a data estipulada por Nongqawuse para a ressurreição dos mortos, absolutamente nada dessa natureza tomou lugar. E então, essa menina-mulher desculpou-se, dizendo que a culpa era de quem não tinha acreditado nela, que os verdadeiros culpados era somente quem recusou destruir o seu gado e culturas... o que, por via das dúvidas, levou a ainda mais mortes, num episódio histórico depois conhecido pelo nome de "matança de gado xhosa de 1856 a 1857"!
Portanto, por culpa desta jovem - mas não só por culpa dela, já que ideias como estas parecem ter sido comuns na religião local da época - foram então mortas mais de trezentas mil cabeças de gado, as culturas foram destruídas, e a população dos Xhosa parece ter decrescido em pelo menos 75%, levando à sua fácil derrota na guerra contra os colonos brancos. Como diz um pequeno poema apresentado na obra The Dead Will Arise: Nongqawuse and the Great Xhosa Cattle-Killing Movement of 1856-7, de J. B. Peires (obra que lemos com atenção para produzir todas estas linhas de hoje):
Oh! Nongqawuse!
The girl of Mhlakaza
She killed our nation
She told the people, she told them all
That the dead will arise from their graves
Bringing joy and bringing wealth
But she was telling a lie.
A figura em questão desapareceu quase completamente depois destes eventos. Sabemos que ela foi viver, durante pelo menos algum tempo, entre os "Brancos", e que nessa altura lhe foi tirada a fotografia que se mostra ali em cima, mas pouco mais. Não parece ter profetizado mais nada de significativo... o que levou algumas pessoas a pensar que esta menina nunca tinha visto nenhuns espíritos, tinha era sido enganada por "alguém"!
Pelo próprio tio, que pela sua formação cristã acreditava bastante na ressurreição dos mortos?
Por colonos brancos, que assim pretendiam enfraquecer a sua oposição?
Por alguns amigos, procurando apenas e somente gozá-la?
As respostas possíveis variam, mediante quem se queira culpar por toda a desgraça por que passaram este povo dos Xhosa, mas o que é indisputável é que tudo isto tomou mesmo lugar, levando esta profecia, e outras a ela semelhantes na mesma época, a muitas e tristes mortes na África do Sul...