"Histórias Proveitosas", de Gonçalo Trancoso
As Histórias Proveitosas, mais conhecidas pelo seu nome alternativo de Contos e Histórias de Proveito e Exemplo, são uma obra de Gonçalo Fernandes Trancoso que contém alguns contos escritos durante uma altura de peste do século XVI. Se a ideia e o contexto não são novos - de facto, até já cá falámos deles anteriormente - neste caso específico são dignos de nota pelo facto de esta se tratar da mais antiga obra nacional com este género ficcional. Desconhecemos as fontes completas do autor - em alguns casos até nos informa delas, mas essas são excepções mais do que regras - mas o seu objectivo é claro, até face aos nomes dados a esta sua obra.
Essencialmente, Gonçalo Trancoso pretendia contar um conjunto de histórias que pudessem tanto deleitar como instruir. Não são, no seu geral, muito fantasiosas, mas sofrem de um estranho problema - em vez de, como é comum hoje em dia, apresentarem uma moral no final, por vezes apresentam morais parciais ao longo da trama, o que quebra o seu ritmo... e acaba por ser pena, porque várias sequências da obra são interessantes, ainda para os nossos dias, e dão que pensar.
Por exemplo, a primeira de todas apresenta-nos "um exemplo que disse um Padre da Companhia, que ensinava no Colégio de Santo Antão, em Lisboa" e fala-nos de um ladrão e um ermitão. O primeiro pede repetidamente ao segundo que reze por ele, para que Deus o ajude a sair da sua vida de crime, mas volta sempre aos seus maus actos. Às tantas, o ermitão lá lhe demonstra um problema notável em toda a situação - as suas rezas, por si mesmas, nada podiam, excepto se o ladrão também quisesse trabalhar para emendar a sua conduta reprovável. A moral a retirar é clara, mas este é um dos exemplos em que ela ficou reservada para o final, em vez de interromper a sequência dos eventos, o que tende a acontecer nos relatos mais longos.
Face a um problema como este, quase que apetece dizer que a obra tem muito espaço possível para melhorar. E tem (!), mas devemos é ter em conta que se tratou da primeira compilação de contos em Portugal. Por isso, talvez não se pretendam perfeitas, estas Histórias Proveitosas de Gonçalo Trancoso, mas com um certo charme, de um novo autor - é provável que tenha escrito mais uma ou duas obras, se não estiver a ser confundido com um homónimo - que então pretendia explorar os limites de um novo género.