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Mitologia em Português

09 de Abril, 2024

"Relação das Fábulas e Ritos dos Incas", de Cristóbal de Molina

Esta Relação das Fábulas e Ritos dos Incas, da autoria de Cristóbal de Molina no século XVI, é uma obra curiosa. Se, por um lado, não é propriamente um texto que possa agradar à maior parte dos leitores comuns, por um outro merece ser aqui referida pelo facto de tentar ter preservado um conjunto de histórias e elementos culturais que na altura da escrita desta obra já se estavam a perder.

Relação das Fábulas e Ritos dos Incas, de Cristóbal de Molina

Segundo se percebe pela obra - o manuscrito ainda existe, está na Biblioteca Nacional de Espanha - o seu autor, um clérigo nascido em Espanha no ano de 1529, foi falar com pessoas do Peru que ainda conheciam as tradições dos seus antecessores locais e deixou algumas delas por escrito. Como o próprio título indica - Relação das Fábulas e Ritos dos Incas - o texto é divisível em dois grandes momentos. No primeiro, Cristóbal de Molina conta um número pequeno de lendas locais, com ênfase nas relativas a um dilúvio universal, talvez pelo facto de confirmarem parte da mensagem cristã que ele tentava disseminar enquanto padre católico. A título de exemplo, resumimos a seguinte, que vinha do distrito peruano de Cañaris:

No tempo das cheias existiram dois irmãos que escaparam à ocorrência subindo a uma montanha muito alta. Depois dessa conflagração passar, eles desceram até às planícies e fizeram uma casa para viverem, mas tinham sempre muita dificuldade em arranjar comida e bebida... até que um dia chegaram a casa e viram muita comida, e bebida boa, já preparada para eles. Ficaram muito intrigados, até porque isso voltou a acontecer uma e outra vez, e ás tantas lá descobriram que eram dois pássaros que andavam a fazer isso. Com alguma dificuldade capturaram um deles, aparentemente do sexo feminino, e fazendo amor com ele voltaram a repopular toda a região.

 

É provável que toda esta história tenha sido ligeiramente adaptada pelo seu reportador, que na versão original os pássaros tivessem forma humana, ou capacidade para uma metamorfose, que tornasse possível o que a trama reporta. Mas, deixando para trás essas possibilidades e avançando para o segundo momento, nele o autor reporta um número muito mais significativo de antigos ritos dos cidadãos locais, organizados pelo mês e circunstâncias em que eram realizados. Nesse sentido, ele preserva-nos não só nos seus actos físicos dos crentes, mas igualmente algumas rezas, como a seguinte, que aqui traduzimos para a língua portuguesa:

Ó Criador! Tu que não tens igual até ao fim do mundo. Tu que deste vida e força à humanidade, e disseste aos Homens “Que este seja homem,” e às Mulheres “Que esta seja mulher.” Ao dizeres isto criaste-os, moldaste-os e deste-lhes vida. Protege aqueles que criaste, deixa-os viver em segurança, sem perigo e em paz. Onde estás? Estás nas alturas do céu? Ou abaixo das trovoadas? Ou nas nuvens de tempestade? Ouve-me, responde-me e concede-me o que te peço; dá-nos vida eterna para sempre. Leva-nos pela tua mão e aceita esta minha oferta onde quer que estejas, ó Criador!

 

Sem a compilação desta Relação das Fábulas e Ritos dos Incas pela parte de Cristóbal de Molina informações como as acima teriam sido completamente perdidas. Chegaram-nos, sim, mas este não é um texto que recomendemos à generalidade dos leitores, já que a parte referente às lendas locais, a mais relevante para quem nos vai lendo, é demasiado breve, enquanto que a relativa aos rituais religiosos certamente que já é bem conhecida por quem até tem interesse em temas como esses.

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