"As leis são como teias de aranha", origem e significado
As leis são como teias de aranha é uma daquelas expressões que se não é muito popular nos nossos dias de hoje, deveria sê-lo. Algumas pessoas, como Marcelo Rebelo de Sousa, parecem acreditar que já existiu uma espécie de tempo idílico em que as leis eram iguais para todos... enquanto que, ao mesmo tempo, esta expressão é muito repetida online, mas sempre sem que lhe seja dado o seu contexto original, o que faz perder parte da ironia, e do verdadeiro significado, de toda a expressão. Por isso, hoje, escrevemos aqui sobre a origem e significado dessa expressão.
Na imagem acima pode ser visto um rosto que se pensa ter sido o de um homem hoje conhecido como um dos Sete Sábios da Grécia Antiga. Já cá falámos dele anteriormente, o Sólon que um dia confrontou Creso, mas de um ponto de vista histórico ele é mais conhecido como o primeiro grande legislador da sociedade ocidental. Ou seja, pondo-o de uma forma muito simples, se pensamos que foram os Gregos da Antiguidade que nos trouxeram a democracia, este homem terá sido o principal responsável por isso. Assim, tratou de criar um código legal escrito com as primeiras legislações das sociedades ocidentais. E se isto é tudo muito bonito - recordem-se, por exemplo, que as leis de Drácon, que antecediam esta figura, em que se diz que os crimes eram punidos horizontalmente com o sangue dos criminosos - também tem uma falha crucial, como podemos mostrar com o prosseguimento de toda esta história.
Um dia, um tal Anacársis, que alguns também consideravam ter sido outro dos Sete Sábios, visitou Atenas e foi a casa de Sólon. Quando este lhe mostrou o que andava a preparar, o viajante riu-se solenemente e disse-lhe duas frases, hoje preservadas em famosas linhas de Plutarco, que raramente nos são apresentadas nesta sua forma original:
As leis escritas são como teias de aranha. Apanham, é verdade, os fracos e pobres, mas são facilmente destruídas pelos ricos e poderosos.
Posto assim, quando dizemos que as leis são como teias de aranha, tendemos a esquecer uma pequena palavra crucial no original, "escritas". E ela é fulcral para todo o contexto, porque demonstra que a expressão que Anacársis usou não criticar pretendia o espírito das leis, mas sim o facto de elas serem colocadas numa forma escrita, estática, que - falsamente - se gostaria de supor que serve para toda a gente. O que é falso. Se uma lei é estática, se está escrita na proverbial pedra, é puramente humana e, como tal, terá as falhas dignas de todos os seres humanos. Alguém com dinheiro ou poder suficiente saberá como as contornar, é como uma pedra que encontra no seu caminho o produto do trabalho árduo de uma aranha - este consegue apanhar pequenas moscas, claro está, mas nada pode contra coisas mais pesadas.
É incómodo, estonteante, absurdo, que alguém que ensinou várias áreas do Direito, incluindo até Direito Fiscal, como Marcelo Rebelo de Sousa, não consiga reconhecer esta realidade, que agora já tem cerca de 25 séculos. Fazendo nossas as palavras de Platão, "as leis existem para agrilhoar os fracos aos desejos dos fortes". As leis são como teias de aranha, sem qualquer dúvida real, porque não têm um mesmo poder para com os fracos e os fortes. Um homem que rouba uma maçã num supermercado, e um que rouba 10000000€ de uma instituição bancária, deveriam ambos ser punidos na proporção da gravidade do seu crime, mas quem consegue acreditar que isto acontece no Portugal, ou no Brasil, dos dias de hoje? Só um fantasista que, a bem do seu próprio bolso e do dos seus amigos, não queira mesmo ver a prática da realidade...