Refresh

This website www.mitologia.pt/a-historia-da-mulher-homem-634944 is currently offline. Cloudflare's Always Online™ shows a snapshot of this web page from the Internet Archive's Wayback Machine. To check for the live version, click Refresh.

Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Mitologia em Português

30 de Outubro, 2023

A história da Mulher-Homem

Falar-se da Mulher-Homem é, mesmo que por um breve instante, falar-se de Maria Coroada. Já aqui contámos a sua história, há mais de um mês, e nessa altura referimos, quase apenas de passagem, que ela tinha sido a mãe da figura a que dedicamos as linhas de hoje. Na altura, não era próprio nem particularmente oportuno contar esta outra história, pelo que a sua apresentação foi sendo adiada até ao dia de hoje.

A Mulher-Homem, filha de Maria Coroada

Lembram-se da imagem acima? Poderia ter-se pensado, pelo contexto do artigo anterior, que ela era a mãe, mas na verdade a figura fotografada era uma das suas filhas. Nascida Maria Trindade ou Antónia das Neves, na sua juventude começou a usar roupas masculinas e continuou a usá-las por alguns anos. Não há qualquer prova real que tenha sido a mãe dela a ordenar este então-estranho procedimento, ou que o tenha feito por complexas reflexões filosóficas sobre a natureza da mulher no seu século. Sabemos é que algumas pessoas sabiam a verdade, sabiam que esta era uma mulher e não um homem, inclusive Rosinha, com quem tinha uma relação amorosa, que apenas pretendiam consumar depois de um possível casamento. E então, esta senhora escrevia poemas à sua Rosinha com versos como os que ainda nos chegaram nestes dois poemas:

Diz, minha Rosa,
Sem impostura;
Se amas a outrem
Com mais ternura.

Oh! Não me percas
O teu amor;
Espera por mim,
Minha alva flor.

Espero de em breve
Aí voltar,
Então mil vezes
Te hei-de abraçar.


Sabes tu que este meu peito
Só para ti está aberto,
Ninguém mais o ocupará
No povoado ou no deserto.

Vivo por ti, só por ti;
Deves conhecê-lo há muito;
Não te esqueças pois de mim
Como estando de ti junto.

E então, o que aconteceu a António das Neves, nome pelo qual esta mulher era conhecida no disfarce masculino? Em Março de 1871 a identidade deste caixeiro-viajante foi reconhecida numa esquadra do Porto, ela foi presa, e presente a juíz foi-lhe dito para ela passar a usar as roupas próprias ao seu sexo. Não é totalmente claro se fazer o contrário era contra as leis da época, mas pelo menos parecia ofender a ideologia do seu tempo, e ela passou a fazê-lo, apesar da fama que as vestimentas masculinas lhe tinham trazido.

Posteriormente, esta Antónia das Neves lá casou, aos 28 anos, com um homem significativamente mais novo (desconhecemos o que aconteceu com a Rosinha), mas não há registo de que tenham tido filhos. O que sabemos, no entanto, é que ela veio a falecer num incêndio do portuense Teatro Baquet a 20 de Março de 1888, e foi esse derradeiro evento, esse seu falecimento entre mais de uma centena de pessoas, que lhe trouxe uma espécie de fama que ainda tem nos dias de hoje.

 

Morta a Mulher-Homem, como ela era conhecida nesses tempos, poderia dar-se por terminado o tema de hoje, mas ainda há um pouco mais a dizer. Feliz ou infelizmente, toda esta história parece ser reaproveitada por diversas pessoas para apresentar um conjunto de ideias que, originalmente, não pareciam ter. Por exemplo, voltando ao tema de Maria Coroada, muito se escreve sobre essa profetiza ser feminista, ao que depois se acrescenta que ela mandava as filhas usar roupas masculinas para lhes dar melhores oportunidades na vida... mas não só essa figura não era feminista - recordem-se parte das suas palavras, "os homens terão duas mulheres, e as mulheres um só homem. Porque o homem não pode dispensar a mulher, e a mulher pode bem estar uma temporada sem homem" - como não existem provas reais que tenha sido a mãe a ordenar a esta Mulher-Homem que usasse roupas masculinas. Até pelo contrário, de entre as suas filhas, sabemos que apenas duas delas o faziam, e que a outra até deixou de o fazer antes da adolescência, aparentemente por ter sido motivo de chacota.

 

Por isso, é necessário alertar que as histórias de outros tempos, como esta de hoje, nem sempre devem ser reinterpretadas à luz dos nossos dias, sob pena de se ver em histórias como a desta Mulher-Homem contornos e sugestões que na verdade não tinham...

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!