A lenda da Peeira ou Pieira dos Lobos
Muito recentemente pediram-nos que escrevessemos sobre a Peeira, "uma lenda de origem portuguesa". Também conhecida como Pieira dos Lobos, esta é efectivamente uma figura nacional, mas sobre a qual apenas nos chegaram algumas linhas muito gerais, que pela natureza de toda a lenda certamente vieram do norte do país, onde os animais ligados a toda esta história eram mais comuns.
Quando aqui escrevemos sobre a forma tradicional portuguesa do Lobisomem, dissemos que "quando uma mulher tem sete filhos consecutivos de um mesmo género sexual, esse sétimo rebento irá sofrer de Licantropia". Na mesma frase, acrescentámos depois que "sete filhas geram uma bruxa, para quem tiver essa curiosidade", o que representa uma visão que era comum na mesma época e que também era, aparentemente, a mais frequente no nosso país. Mas, face à lenda da Peeira ou Pieira dos Lobos, viemos posteriormente a descobrir que não era a única!
Segundo Consiglieri Pedroso, no norte do país e em finais do século XIX acreditava-se também na existência de uma figura chamada Peeira ou Pieira dos Lobos, que nascia quando uma mulher tinha sete filhas de uma forma consecutiva. O que acontecia a essa jovem depende mediante a versão da história, como é comum nas tradições orais - por vezes ela transformava-se em lobo nas noites de lua cheia, uma espécie de "lobismulher"; segundo outras opiniões, ela tinha de ir viver entre os lobos, tornando-se uma espécie de estranha pastora dos mesmos, e que até conseguia falar com estes animais. Desta segunda hipótese parece derivar o seu nome - "peeira", ou "pieira" (palavras que já nem existem no nosso dicionário com este significado), por estar ao pé dos lobos.
Curioso, também, é o facto de parecerem ter existido diversas formas de "curar" uma Peeira ou Pieira dos Lobos. Bastaria, segundo alguns, derramar o seu sangue (como também acontecia com o Lobisomem); segundo outros, todo o feitiço (ou fado, ou triste destino, se assim o preferirem) podia ser evitado se a mais velha das sete irmãs se tornasse madrinha desta mais nova; uma terceira versão dizia que esta maldição era coisa natural, que começava no sétimo aniversário da jovem e terminava sete anos depois; ainda outra diz que todo o feitiço se acabava se a jovem, na sua forma transformada, devorasse um recém-nascido; e daí por diante, variando muitas vezes de local para local.
Infelizmente, todas estas histórias - como, por exemplo, as do Secular das Nuvens e do Homem das Sete Dentaduras - foram sendo esquecidas ao longo dos anos. Terá sido pelos casais terem menos filhos? Pelo êxodo para as grande cidades? Pelo desaparecimento crescente dos lobos? Ou apenas porque as pessoas as foram esquecendo, vendo-as somente como resquícios, cada vez menos importantes, do tempo dos seus avós? Não sabemos, mas o facto é que, hoje, já quase não se ouve falar desta Peeira ou Pieira dos Lobos, salvo em obras literárias que nos preservam, ou adaptam, crenças dos tempos passados...