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Mitologia em Português

28 de Julho, 2021

Sobre as obras de António Ribeiro Chiado

Quando, há alguns dias, cá falámos sobre a origem do nome do Chiado lisboeta, apontámos que já muito poucos liam as obras associadas ao poeta António Ribeiro Chiado. Assim, achámos que era apenas justo que as fossemos ler e escrever um pouco sobre elas. Não foi possível encontrá-las a todas, pelo que naturalmente apenas referimos aqui apenas as que conseguimos localizar - caso alguém saiba onde encontrar as restantes, por favor deixe-nos um comentário com essa informação!

A estátua de António Ribeiro Chiado

Passando então a este pequeno desafio, o autor escreveu pelo menos três autos na tradição de Gil Vicente. O Auto das Regateiras, Prática dos Compadres e Prática de Oito Figuras parecem manter a senda do seu predecessor, mas - a nosso ver - não têm muito interesse para os dias de hoje, excepto por se tratarem de obras nacionais.

Os Avisos para Guardar essencialmente apresentam um conjunto de coisas com que os leitores deviam ter cuidado, e.g. "Guardar de cão que manqueija/e de homem mui fragueiro", "Guardar de homens casados/que em seus feitos são solteiros", "Guardar de fazer farinhas/com homem de ruins artes", "Guardar de quem tem começo/e não busca meio e fim". Caso não seja evidente, "guardar" deve aqui ser interpretado como uma espécie de sinónimo de "ter cuidado com".

A Querela entre o Chiado e Afonso Alvares preserva-nos um conjunto de poemas escritos por este autor e que obtiveram resposta do seu visado, supostamente quando o poeta estava preso. Também as Cartas a Amigos Religiosos e a Regra Espiritual que fez António Chiado ao Geral de S. Francisco contêm dados biográficos, seja em prosa ou verso, mas não nos pareceram muito interessantes para os dias de hoje.

Ainda, os Letreiros reportam um conjunto de ideias, e respectivo comentário pessoal, a que o autor supostamente teve acesso em túmulos que viu em "Hespanha".

 

Também associados a este autor surgem as Parvoices que Acontecem Muitas Vezes e as Profecias para o ano de 1579. Falamos delas em conjunto porque são, a nosso ver, as mais interessantes das obras de António Ribeiro Chiado a que tivemos acesso, por preservarem um conjunto de ideias que se foram mantendo ao longo dos séculos quase como no tempo do seu compositor - se correctas, ou não, já não nos compete a nós julgar. Assim, as Parvoices que Acontecem Muitas Vezes - que parecem ter sido compostas por cinco livros, mas dos quais apenas dois estavam presentes na edição que consultámos - contêm um conjunto de ideias que podem ser consideradas como "parvoíces", a que se tende a seguir um provérbio ilustrativo. Podemos dar aqui alguns breves exemplos:

Homem que consente que sua mulher mande mais em casa que ele - Parvoíce!
Mal vai a casa em que a roca manda na espada.

Homem não fidalgo que consente que sua mulher aprenda a ler - Parvoíce!
Ou é cornudo ou anda para o ser.

Quem um dia só conversa com outro, lhe descobre seus segredos - Parvoíce!
A quem dizes tua puridade, dás-lhe tua liberdade.

Quem gasta mais do que tem de renda - Parvoíce!
Quem não tem, e muito despende, na praça se vende.

Quem bebe àgua sem primeiro a ver - Parvoíce!
Quem acena a dama de longe - Parvoíce!
Quem de longe acena, de perto se condena.

Finalmente, as Profecias para o ano de 1579, publicadas em data incerta, contam-nos um conjunto de coisas que António Ribeiro Chiado previa que iam acontecer nesse ano. E, curiosamente, é quase certo que todas elas se realizaram. Como é isso possível, perguntam-se? Para que isso se possa compreender melhor, relatamos aqui algumas das muitas profecias contidas na obra, escolhidas de uma forma completamente aleatória:

Os caminhos estarão estendidos pelo chão, e as serras, porque mais cansarão cinquenta homens a pé que um a cavalo.
Estarão os mortos debaixo da terra, e os vivos por um cabo e por outro.
Será tanta a escuridade pelo mundo que todos terão os olhos cerrados quando dormirem.
As chuvas serão tão grandes que não haverá navio que pelo mar não ande a nado.
Os trovões e terramotos serão tantos que, de puro temor, não haverá homem nascido que fique por nascer.
O fogo se tornará mais quente que os banhos das Caldas.
Na terra haverá penedos e seixos mais duros que pedras.
As galinhas pretas porão ovos brancos, pelas grandes mudanças que haverá no mundo.
Todo o malfeitor não sairá da cadeia enquanto nela estiver preso, nem haverá enforcado que chegue com os pés ao chão.
Ficando o dia claro, aparecerá Lisboa em Almada, Badajoz em Elvas, e Evoramonte em Évora.

Interessante, não é?! Por isso, em 2021 talvez já seja mais do que altura de se apresentarem alguns destes textos de António Ribeiro Chiado nas salas de aula e nos manuais escolares, quanto mais não seja para que as gerações vindouras possam conhecer a obra de mais um autor nacional. Garantimos, com todas as certezas deste mundo, que mais depressa os estudantes teriam prazer em ler profecias como as que citámos acima do que obras que fazem adormecer, como o típico Felizmente Há Luar!

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