A lenda de São Torpes
A lenda de São Torpes merece ser contada aqui em virtude do facto de esta figura santa ser relativamente famosa em terras de Portugal. Contudo, se o santo não nasceu nem viveu no nosso país, como é ele associado a terras portuguesas? É isso que iremos explicar hoje.
Conta-se que Caius Silvius Torpetius viveu no primeiro século da nossa era em Pisa, na Itália, mais precisamente no tempo do imperador Nero, aquele grande destruidor de Cristãos. Converteu-se ao Cristianismo pelos ensinamentos de São Paulo, admitiu a sua fé frente ao próprio monarca da altura e foi condenado a múltiplas torturas, que variam mediante a fonte literária consultada. Contudo, o que elas concordam é no destino final deste homem - a sua cabeça foi-lhe cortada e ele foi atirado ao mar, num barco juntamente com um cão e um galo (que se supõe que devessem comer o corpo do falecido).
Aqui termina a vida de São Torpes, propriamente dita. A sua cabeça foi depois encontrada em Pisa, e como aconteceu no caso de São Vicente este pequeno barco tinha de ir parar a algum lado. São-lhe atribuídos vários destinos, mas entre os mais notáveis para estas linhas contam-se a bela cidade de Saint-Tropez, em França, a que ele deu o nome; e uma praia na zona de Sines, em Portugal, a que o santo também emprestou o nome, e na qual - segundo a lenda local - a localização do corpo do mártir foi revelada em sonhos a uma mulher da região, que ficaria conhecida como Santa Celerina (e sobre a qual pouco ou nada mais se sabe). Não há qualquer registo do que aconteceu aos dois animais que o acompanhavam.
Contudo, toda esta lenda associada à Praia de São Torpes deve ser vista com enorme cepticismo. Se se acredita que este santo viveu no primeiro século da nossa era, não só os primeiros relatos da sua vida surgem quase mil anos depois, como estão repletos de anacronismos, de informação falsa e de elementos claramente copiados de outras histórias de santidade e de martírios - numa versão portuguesa do século XVII, por exemplo, o santo até ultrapassa cinco sequências de tortura distintas, cada uma delas copiada de famosos martírios da Antiguidade, antes de lhe ser finalmente cortada a cabeça... e, como tal, é muito provável que esta seja uma história ficcional, ou pelo menos uma em que o potencial cerne da verdade se foi perdendo ao longo dos séculos e é hoje impossível de traçar.