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Mitologia em Português

23 de Outubro, 2023

O verdadeiro significado de "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce"

É hoje sobejamente conhecido o verso que nos diz "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce". Está num dos poemas da Mensagem de Fernando Pessoa, e obteve até uma espécie de carácter de provérbio entre nós, mas parecem ser poucos aqueles que pensam no seu verdadeiro significado, no que estas belas palavras nos querem mesmo dizer. E não é o que pensamos... e por isso, hoje, revelaremos aqui o verdadeiro significado por detrás dessas palavras do poeta, com uma lenda que está hoje quase completamente esquecida.

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce

O verso em questão provém da Mensagem de Fernando Pessoa, como já foi referido antes, num poema que tem por título "O Infante" e que é o primeiro de uma sequência a que normalmente se chama "Mar Português". É nele que estão os seguintes versos:

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

Pelo contexto no próprio poema, depressa se deveria compreender que o sonhador é "O Infante" do título, o principal originador do período dos descobrimentos portugueses, aquele a que chamamos quase sempre Infante Dom Henrique. E até aqui tudo bem, presumimos que isto não traga qualquer grande novidade, mas o que apresentamos a seguir é muito menos conhecido e nunca parece ser dito nos bancos da escola. Faça-se até a pergunta - afinal, o que levou este nosso infante à sua expansão marítima? Num contexto físico, quase que apeteceria perguntar "Alguém sabe, alguém sabe?", mas nestas coisas online é mais difícil fazê-lo, razão pela qual passamos já à própria resposta.

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce

Segundo uma espécie de lenda que precede o século XVI - e recorde-se que o Infante Dom Henrique nasceu em 1394 e faleceu em 1460 - ele foi levado a toda esta ideia da expansão marítima por um sonho que teve durante a noite. Não é muito claro ou seguro o que lhe apareceu nesse sonho, mas diz-se que nele Deus o convidou à descoberta das "Etiópias", e que nessas novas regiões seriam encontrados muitos novos homens que precisavam de ouvir a mensagem cristã. E, se tal pedido divino ainda não fosse inspiração suficiente, Deus também revelou ao nosso Infante que nessas novas terras seria encontrado muito ouro, riquezas sem fim, que poderiam depois vir a ser utilizadas para combater os inimigos da fé cristã e cristianizar novos povos.

 

Terá sido isto verdade? Terá isto acontecido realmente ao nosso Infante Dom Henrique? Não há qualquer forma real de o sabermos, mas o que é difícil de disputar é que esta ideia, como já indicado acima, já existia antes dos inícios do século XVI e chegou-nos, no mínimo, por via de um autor que não fazia parte do clero, tendo por isso poucas razões para mentir sobre esta matéria. Depois, sabendo-se o interesse de Fernando Pessoa em mitos e lendas, no Misticismo, e em mensagens divinas como estas - recorde-se até o título da obra em questão, Mensagem ! - é quase certo que também ele conhecesse o que referimos acima.

Face ao contexto, os versos que dão o título às linhas de hoje - "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce" - ganham um significado muito mais concreto. Ele pode ser interpretado assim - Deus decidiu que o mar deveria pertencer a Portugal. Face a essa decisão, levou a que o Infante sonhasse com um mar português. E, nascido desse sonho, fomos então levados a essa grande e inovadora ideia de tentar criar um mar pertencente ao país dos Portugueses. E a esta mesma ideia se volta no final do poema - "Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez", porque as intenções propostas pelo ente divino foram apenas parcialmente atingidas, mas "falta cumprir-se Portugal" porque a derradeira sequência do sonho, de um império riquíssimo que conseguiria eliminar os inimigos da Cristandade, não chegou a acontecer.

 

Como tal, a ideia de "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce" refere-se especificamente ao nosso Infante Dom Henrique, e pretende denotar que a obra construída pelo Homem, na sua face mais geral, só é possível com uma inspiradora intervenção divina, que neste caso em concreto nasceu de um sonho nocturno. E, para o seu século, a ideia não era nova nem louca - recordem-se, por exemplo, os antigos casos de Artemídoro ou de Senádio - mas foi aqui muito inspiradora dos Descobrimentos Portugueses, numa ideia que mais tarde virá a ser elaborada com o desaparecimento de Dom Sebastião e obras proféticas como as de Bandarra e do Padre António Vieira, em que continuou a haver uma tentativa de "fazer cumprir Portugal". E, se não podemos ter 100% de certezas da intenção do poeta, podemos pelo menos acreditar que este poema de Fernando Pessoa foi escrito com conhecimento da lenda - ou realidade? - deste sonho nocturno do Infante Dom Henrique!

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