Dois feitiços desconhecidos
Se já cá relatámos vários feitiços anteriormente, tanto ao nível do amor como de feitiços mais estranhos, a história de hoje, de dois feitiços desconhecidos, merece ser relatada por eles constarem de uma situação muito caricata. Passamos a explicar. No tempo em que a Inquisição perseguia a bruxaria em Portugal, uma dada jovem foi presa por praticar estas artes. Depressa, e aparentemente muito arrependida pelo que tinha feito (não há registo que tenha cometido os mesmos erros que Luís de La Penha), ela contou aos inquisidores a forma como uma mulher mais velha lhe tinha ensinado os mais diversos feitiços (como sempre, ligados a áreas como o amor, a saúde e o dinheiro), mas entre as muitas magias que lhes relatou constavam duas cuja função ela já tinha esquecido por completo. Por muito a interrogassem, ela parecia verdadeiramente já não se lembrar o que era suposto que estes dois feitiços desconhecidos fizessem, ou qual o seu objectivo real. Por curiosidade, relatamo-los ambos aqui:
"Cavalo infantil vejo vir,
Jesus Cristo nos há-de acudir,
O Anjo da Guarda nos há-de guardar,
O Menino Jesus nos há-de salvar."
"Anda meu burro albardado, assim como tu és o meu burro albardado, assim como tu és o meu queimado, o meu encadeado, assim por Deus, e por Santo Erasmo, me darás quanto tiveres, e me dirás quanto souberes."
Depois, atiravam-se três mãos cheias de sal de uma janela, e acrescentava-se "Para Barrabás, para Satanás, e para Caifás."
Não é muito difícil tentar inferir o significado por detrás dests dois feitiços desconhecidos, mas o que não deixa de ser curioso é que a própria feiticeira que os reportou parecia incapaz de o fazer. Tanto quanto se percebe do inquérito conduzido pela Inquisição, esta jovem limitava-se sempre e somente a dizer, com alguma aproximação, um conjunto de palavras que lhe tinham sido ensinadas, mas sem que as compreendesse.
Isto é digno de nota porque, ainda hoje em dia, o mesmo problema se mantém - mesmo quem recorre a livros como o de São Cipriano poucas vezes compreende o que está a dizer e a fazer, incorrendo potencialmente em situações tão caricatas como a que teve lugar, há já alguns séculos atrás, com esta jovem... ou como terão lugar com quem decidir usar este outro "feitiço" da mesma época da nossa história:
Eu te conjuro favuas com as nove musas em que entra - Urganda a Desconhecida e Medeia, e as provadas do mar, com a água na boca três vezes.
Que tem ele de especial? Quase nada, não fosse o facto de uma das figuras mágicas evocada ser Urganda a Desconhecida, uma personagem comprovadamente ficcional do Amadis de Gaula e de outros romances de cavalaria da Idade Média! Assim sendo, brincamos até um pouco com tudo isto e prometemos aqui alvíssaras a quem encontrar feitiços em que figuras como Son Goku, Eusébio ou Luís de Camões são evocadas...