"Ramcharitmanas", de Tulsidas
O épico Ramcharitmanas, ou Ramacaritamanasa, escrito por Tulsidas no século XVI da nossa era, merece ser apresentado por cá devido ao contexto em que foi produzido. Se, aquando do tempo de vida deste autor o Ramayana se mantinha como uma obra muito popular, potenciais leitores deparavam-se frequentemente com uma grande dificuldade, o facto de esse poema épico estar em Sânscrito, uma língua que cada vez menos conseguiam ler. Por analogia, se é difícil ler um pequeno poema no "Português" antigo (um exemplo de João Soares de Paiva pode ser visto aqui, para quem o quiser tentar), imaginem-se a tentar ler centenas e centenas de páginas numa língua como essa - seria uma tarefa tudo menos fácil, não é? Assim sendo, face ao problema Tulsidas decidiu fazer uma espécie de tradução do original para Hindi.
Nesse seguimento, se as histórias do Ramayana e de Ramcharitmanas são muito parecidas (e quem ainda não conhecer bastará reler esta publicação anterior), não são bem iguais. Daí a expressão que usámos acima, esta trata-se apenas de uma "espécie de tradução", na medida em que os eventos principais da obra original são mantidos, mas Tulsidas também os adaptou com as novas gerações em vista. Sabe-se que na altura alguns (novos) leitores gostaram do resultado, os mais tradicionalistas não tanto, mas o importante e inegável é que esta obra possibilitou o acesso a um texto de grande importância cultural a que, de outra forma, uma parte dos leitores não teria acesso.
Mas então, Ramcharitmanas merece ser lido nos nossos dias de hoje? Segundo sabemos é, ainda hoje, um dos textos mais populares da Índia, e certamente que o é de uma forma justa, por respeitar o espírito do original, enquanto o tornou também mais acessível ao público. Mas são, frise-se bem isso, duas obras significativamente diferentes, iguais e diferentes mediante quem os lê. Por isso, se houvesse tempo para tal - não são obras propriamente pequenas... - o melhor seria mesmo ler primeiro a obra de Valmiki e somente depois esta, como fizemos, para que se possam compreender as suas diferenças e a forma como a mais recente interage com a sua predecessora, em muitos casos até adaptando parte da teologia oriental nela subjacente. Mas, a ter de se escolher somente uma destas duas*, caso o leitor consiga aceder a ambas a opção pela antiga faz mais sentido, dado o seu valor cultural, literário e religioso.
*- Tradicionalmente, diz-se que o deus Hanuman escreveu também uma versão de toda esta história de Rama numa rocha, mas depois destruiu-a para ela não colocar na sombra a de Valmiki. A acreditar-se nessa pequena lenda, sem qualquer dúvida que o tratamento que o deus deu a esta história seria preferível face a qualquer outra...