Sobre o mito do Anel de Giges
Aqui fica uma curiosa história contada por diversos autores, entre eles Platão e Cícero, que é normalmente chamada o mito do Anel de Giges. Não é completamente claro se se trata de um "verdadeiro" mito, ou uma história simplesmente inventada por Platão para os seus próprios propósitos, mas dada a sua fama sentimos que devíamos recordá-la por cá, em forma de um breve resumo:
Giges era inicialmente um pastor que vivia na região da Lídia (a actual Turquia). Um dia, na sequência de um grande terramoto que abriu uma fenda para o interior da terra, ele encontrou uma caverna repleta de tesouros, no interior da qual estava um cavalo de bronze, um estranho caixão para um ser gigante, como nunca visto até então. Foi no dedo deste falecido que ele conseguiu encontrar um pequeno anel de ouro que, por pura magia, tinha a capacidade de tornar invisível quem o utilizasse. Depois, com a ajuda deste acessório mágico, o antigo pastor conseguiu seduzir a rainha local, matou o respectivo marido, e tornou-se até o rei de toda a região.
Tanto na República como em Os Ofícios, respectivamente da autoria de Platão e de Cícero, este pequeno mito do Anel de Giges tem um objectivo similar, o de demonstrar que os Homens, sejam eles essencialmente bons ou maus, apenas reagem de uma forma correcta por estarem agrilhoados pela lei e pelo medo de punição. Assumindo, como na obra de Cícero, a existência real deste anel, a pessoa que o usasse ganharia um poder quase divino; ao não poder ser descoberta e, portanto, alguma vez penalizada pelos seus actos menos bons, ela poderia fazer o que muito bem entendesse. Se Giges, que antes era um simples pastor, chegou até à posição de rei através de um desrespeito pela lei instituída, pela lei dos homens, quem ousaria defrontá-lo?
Este mito do Anel de Giges parece-nos, então, ilustrar uma situação em que é demasiado simples dizer "eu não faria o mesmo"; ainda assim, será que algum possuidor desse anel teria a capacidade moral para fazer o que é mais correcto? A resposta, essa, cabe a cada um dos leitores, mas o debate constante na obra de Platão poderá levar-nos a crer que não, que "o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente", fazendo nossas as palavras de um famoso autor do século XIX. Se, por intervenção divina, também a cada um de nós fosse revelado um tal poder mágico, é muito provável que não tivéssemos a fibra moral necessária para não o usar, fosse para o bem ou para o mal, já que este nos elevaria bem acima das leis dos homens...