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Mitologia em Português

24 de Janeiro, 2022

Ainda existe um Templo Romano em Sintra?

Há já algum tempo que nos vieram perguntar se existe algum Templo Romano em Sintra. E de facto, quando se pensa em vestígios arqueológicos do tempo dos Romanos em Sintra, a possível existência de um templo aos deuses de outrora nesta região, de algo semelhante ao Templo de Diana eborense, raramente cruza a mente do viajante comum. Se até existem vestígios vagos de um recinto dessa natureza na zona da Praia das Maçãs, mais precisamente no chamado "Sítio Arqueológico do Alto da Vigia" (a National Geographic até escreveu recentemente um artigo interessante sobre o local), em que foram encontradas agora-famosas inscrições latinas ao Soli et Lunae (as tais que fizeram da serra local o "Monte da Lua"), pouco mais na região levanta, hoje, a ideia de que ele ainda possa existir. Assim, hoje decidimos apresentar um dado local aos leitores e deixá-los julgar as provas por si mesmos.

 

Perto da aldeia de Janas, que fica a cerca de oito quilómetros do centro da vila de Sintra, em Portugal, pode ser encontrada, na beira da estrada, uma capela ou ermida que tem hoje o nome de São Mamede de Janas. A uma primeira vista, ou para aqueles que percebam pouco destes temas, o local actual pouco ou nada parecerá ter de romano, como tendemos a imaginar a arquitectura da altura, até que, com algum estudo, se notem três elementos dignos de nota:

Possível Templo Romano em Sintra, a Capela de São Mamede de Janas

Primeiro, esta capela tem uma planta circular, o que não é muito comum nos locais de culto do Cristianismo, que têm mais habitualmente uma planta rectangular ou em forma de cruz. Contudo, alguns templos romanos também tinham uma forma circular, muitas vezes para permitirem uma fácil circulação de animais no seu interior - e, se isso acontecia em alguns recintos de culto pagão, também sabemos que já aconteceu, no passado, neste espaço que tomou o nome de São Mamede de Janas (actualmente, parece que os animais apenas o circundam pelo exterior).

 

Depois, o local está localizado em "Janas". Quando a deusa Diana era venerada juntamente com o deus Jano, ela tomava o nome de Jana e o par divino era, de um ponto de vista simbólico, considerado como a Lua e o Sol. Isto torna-se particularmente interessante em virtude do facto de já terem sido encontradas inscrições a esses dois astros na mesma região, o que prova que os Romanos veneravam, de facto, deuses como estes nas localidades próximas - o "Sítio Arqueológico do Alto da Vigia", já referido acima, está a escassos de cinco quilómetros deste local.

 

Ainda, esta espécie de igreja toma hoje o nome de São Mamede [de Cesareia], que é venerado no calendário católico a 17 de Agosto, e nos locais que a circundam ainda toma lugar, entre os dias 15 e 17 desse mês (ou, mais recentemente, até entre 12 e 20), uma romaria. Ao mesmo tempo, o deus Jano tinha um festival a 17 de Agosto, enquanto que um dos festivais mais famosos consagrados à deusa Diana tomava lugar entre os dias 13 e 15 do mesmo mês.

A ser pura coincidência, tudo se torna ainda mais estranho se tivermos em conta que São Mamede é aqui visto como um "santo protector do gado", mas esse atributo não lhe parece ser associado em outros locais, em que essa tarefa é frequentemente ocupada por Santo Antão (também conhecido como Santo António do Deserto, que não deve ser confundido com o "nosso" Santo António). Porém, a ligação da deusa romana com a caça, com os vários animais e até com a fertilidade é bem conhecida e está bem atestada de uma forma horizontal na literatura da Grécia Antiga e dos Romanos.

 

Se tudo isto parece indicar a existência de um antigo templo romano em Sintra, ainda devemos considerar as provas que indicam o contrário. E há uma que é preponderante - lemos que em finais do século XX foram feitas escavações arqueológicas no local e foram encontradas duas estruturas anteriores, uma do século IX e outra do século XII, o que parece refutar a possibilidade de que tenha existido aqui um templo romano.

Será, por isso, que existiu um templo pagão próximo deste local, mas não necessariamente aqui, e que a forma deste espaço religioso é apenas uma vicissitude da arquitectura renascentista, que alguns até atribuem a Francisco de Holanda? Serão o nome da povoação, e os rituais aqui praticados, uma estranhíssima coincidência do acaso? Ou será que esta ermida ou capela de São Mamede de Janas foi construída para fomentar o abandono de um antigo culto local, de raízes pagãs mas já sem um templo físico, providenciando alternativas cristãs a um conjunto de rituais que as populações locais se recusavam continuamente a abandonar?

Não sabemos. Com excepção das provas arqueológicas, tudo levava a crer que existiu mesmo um templo romano em Sintra, neste preciso local, e que até poderia ter uma história notável. Sabe-se que Diana foi uma das deusas romanas cujo culto perdurou mais tempo (ver, por exemplo, a explicação por detrás do nome do Templo de Diana em Évora), e que ela foi venerada na zona de Sintra, possivelmente até na companhia do deus Jano. Isto é difícil de negar, que existiu nesta região um templo associado a pelo menos um dos dois deuses, mesmo que ele não tenha estado localizado aqui.

Depois, com o passar dos séculos, o local que lhe(s) esteve consagrado poderia ter sido transformado em local de culto cristão, mantendo-se a sua ligação original aos animais (que ainda eram abençados no local, por se acreditar que assim manteriam a sua saúde e vitalidade), e o nome da antiga figura divina teria sido substituído pelo de uma figura cristã bem conhecida em Portugal e venerada mais ou menos na mesma altura do ano. E esta seria uma boa possibilidade, sem qualquer dúvida, que até faria com que as diversas peças encaixassem quase na perfeição, mas as provas arqueológicas parecem afirmar que tudo isto é uma mera coincidência e nada mais...

 

Portanto, será que a capela ou ermida de São Mamede de Janas foi, em outros tempos, um templo romano em Sintra? Se grande parte das provas apresentadas acima parecem sugerir uma resposta afirmativa, as provas arqueológicas presentes no local parecem afirmar-nos o contrário. Contudo, é igualmente necessário ter algum cuidado com estas afirmações - isto não é o mesmo que afirmar que nunca existiu um recinto religioso dos Romanos no "Monte da Lua", mas sim que ou ele não esteve localizado neste local preciso, como supúnhamos, ou todas as provas dessa antiga presença in situ se perderam por razões desconhecidas e muito difíceis de explicar.

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